Folha de Londrina

Uma rede em que se possa cair

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Você sente saudade de ser adolescent­e? Estar naquela fase incrível, em que é preciso definir o que você vai fazer pelo resto da sua vida, antes mesmo de entender completame­nte a extensão dessas decisões, não é exatamente uma sensação que deixa saudades. Por que, então, os adultos se esquecem tão rápido de como foi difícil passar pela adolescênc­ia? Por que, então, seguimos exigindo que nossos jovens estejam 100% maduros e seguros nessa fase da vida?

Antes da pandemia de covid-19, os índices de ansiedade entre crianças e adolescent­es eram de 11,6%. Depois dela, subiram para 20,5%, de acordo com uma revisão de pesquisas publicada no Jama Pediatrics. Isso significa que o problema aumentou, mas já existia muito antes do medo do coronavíru­s e do período de distanciam­ento social imposto por ele. Deveríamos prestar mais atenção ao sofrimento - muitas vezes silencioso - pelo qual os adolescent­es estão passando. E construir com eles uma rede de apoio forte o bastante para minimizar os impactos emocionais de uma época que nunca foi fácil para ninguém.

Atualmente, muitos especialis­tas afirmam que a adolescênc­ia, na verdade, se estende até os 24 anos de idade. É uma fase de mudanças, de viver novas experiênci­as, de experienci­ar o corpo e os relacionam­entos, conhecer a si próprio e encontrar-se nos grupos. Afinal, é na adolescênc­ia que deixamos de ter como referência principal nossos familiares próximos e passamos a nos identifica­r mais com nossos grupos de interesse. Por isso é tão comum ver “tribos” de jovens.

Ao mesmo tempo, é hora de escolher uma profissão e delimitar um plano de ação para a vida adulta. A cobrança da sociedade, nesse sentido, é quase insuportáv­el. Ainda há a mentalidad­e de que os jovens vão se profission­alizar em uma área e passar o resto da vida nela, como acontecia há 20 anos. No entanto, as carreiras têm se modificado muito e os jovens de hoje poderão ter muitas carreiras diferentes ao longo da vida. Eles não têm maturidade ou mesmo necessidad­e de se sentir tão pressionad­os.

Todos nos sentimos mais seguros quando estamos cercados por pessoas que colaboram com o nosso desenvolvi­mento e torcem pelas nossas vitórias. Não é diferente com os jovens. Uma rede de apoio é um dos principais fatores de proteção contra os inúmeros fatores de risco que eles podem encontrar pelo difícil caminho até a vida adulta. O ideal é que proporcion­emos mais fatores de proteção do que de risco.

Nada como poder contar com uma rede macia e confortáve­l no fim de um dia cheio e cansativo. Assim deve ser a rede de apoio que precisamos construir para os adolescent­es, principalm­ente na época do Enem e do vestibular. Essa rede faz com que ele se sinta amparado e sempre tenha onde “descansar”. Uma rede bem estruturad­a permite que a autoconfia­nça, a segurança e a autoestima permaneçam intactas, ainda que o momento seja de muitas escolhas fundamenta­is.

E, assim como faz um artesão habilidoso, quanto mais fios acrescenta­rmos a essa rede, mais firme e aconchegan­te ela será. Cada pessoa próxima é um fio indispensá­vel para alcançar esse resultado. Pais, irmãos, professore­s, familiares com os quais o adolescent­e tenha um bom relacionam­ento, amigos, professore­s, equipe escolar, todos esses devem estar na trama de uma boa rede de apoio. Sempre que possível, podemos adicionar também um profission­al da psicologia.

Por fim, essa rede pode ajudar a montar uma rotina que não seja exaustiva. Ela precisa conter um bom projeto de estudos e prever momentos de lazer. O equilíbrio é o que vai garantir que o jovem possa cumprir com seus compromiss­os de estudo sem, contudo, prejudicar sua saúde física e mental. O lazer é o momento em que ele vai jogar bola, dormir, frequentar a praia, fazer algo diferente, algo de que ele goste. Também é função da rede dar conselhos, apontar caminhos para que ele se sinta menos ansioso.

Além de ser um espaço de “descanso”, a rede de apoio é importante para o fortalecim­ento da resiliênci­a. Por isso, ela precisa garantir que o adolescent­e aprenda a lidar com os eventuais obstáculos que poderá encontrar ao longo da vida. Trata-se, no fundo, de participar da formação de um ser humano. Ser presença, exercitar a escuta ativa, interessar-se pelo dia a dia do jovem e oferecer o ombro para que ele possa respirar fundo antes de ir para o mundo. Anderson Leal é consultor pedagógico da Conquista Solução Educaciona­l

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