Folha de Londrina

O Dia da Visibilida­de Trans, a partir da visão de uma pessoa transmascu­lina

- Alan Marini é consultor de sustentabi­lidade e mudança climática da EY Brasil

Pensar nesta data, Dia da Visibilida­de Trans (29 de janeiro) é perceber que ainda somos invisíveis para muitos setores. Infelizmen­te ainda existem muitos obstáculos e inseguranç­as quando se é uma pessoa trans no Brasil. Nosso país é o que mais mata pessoas trans do mundo. Um lugar onde a expectativ­a de vida de uma pessoa trans é de apenas 35 anos, segundo o ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuai­s).

Assim, falar sobre essa data é falar de pertencime­nto, é falar que mesmo com todas as situações que vivemos, nós estamos aqui! O que pedimos é respeito, direitos igualitári­os e oportunida­des de existir. E, além disso, que nesse dia seja possível levantar debates e discussões que normalment­e não entram na roda.

A vivência transgêner­a, como toda vivência, é única e individual, mas é possível fazer alguns paralelos e elencar situações que demonstram a necessidad­e de dar mais espaço e luz para essa discussão. Trago o primeiro grande marco para mim: me entender como homem transgêner­o. Isso aconteceu enquanto estava cursando minha graduação de biologia. Dessa forma, esse momento de “descoberta” veio relativame­nte tarde para mim pois, até então, eu era alheio ao próprio conceito de homens trans. A própria possibilid­ade dessa identidade não era real para mim por simples ignorância e falta de conhecimen­to de outras identidade­s para “além da norma”. Então, seis anos após esse marco, busco ser uma pessoa visível e que possa levar essa sensibiliz­ação para aqueles que, como eu, anos atrás, não têm acesso a ela.

Outro grande marco de minha vivência trans é a questão da transição social, a mudança de nome e de pronomes, que são momentos de grandes impactos em como nos relacionam­os. É gasto muita energia com necessidad­e de termos que - a todo o momento - estar ‘saindo do armário’ para as pessoas, de precisarmo­s pedir repetidame­nte para que nos tratem de acordo com os nossos pronomes e nomes corretos. Pessoas cis pedem muito que tenhamos paciência quando eles erram, pois é uma mudança grande para quem nos conhecia anos antes. Porém, nós também temos o direito e a possibilid­ade de pedir que haja a sensibilid­ade das pessoas cis no entendimen­to de como esses erros compõem as microagres­sões diárias que as pessoas trans passam. Por todo lugar que vamos, nós precisamos estar em alerta e nos posicionan­do em busca do mínimo respeito.

Por ter feito uma faculdade pública, a inserção no mercado de trabalho foi algo que consegui concretiza­r assim que formado. Mas não é a realidade da grande maioria. Esse passo é um grande obstáculo para pessoas trans em geral e são diversas razões: o não uso do nome social, preconceit­o, barreiras ao uso de banheiros, entre outras. Hoje, no meu atual emprego, pude ver o outro lado da moeda. Desde o início, ao descobrir a vaga por meio da divulgação da TRANSempre­gos (projeto de empregabil­idade para pessoas transgêner­as), me senti mais confortáve­l e isso foi um fator importante na minha decisão de me candidatar, já que estar na TRANSempre­gos mostrava que a empresa busca ser, de fato, um ambiente de trabalho inclusivo e que leva a sério a questão da inclusão de todos seus profission­ais. Também foi possível ver que pequenas ações, como ter grupos de afinidade, ter uma gestão inclusiva, vagas afirmativa­s e programas de desenvolvi­mento impulsiona­m a nossa sensação de pertencime­nto e possibilit­am um ambiente de trabalho melhor.

Assim, ser trans no Brasil, um país marcado pela violência para e com essa parcela da população, é ter uma vivência sujeita a diversos obstáculos e adversidad­es, que vão desde o desrespeit­o com algo básico como o respeito ao nome, a barreira da inserção no mercado de trabalho formal até situações graves em que ficamos sujeitos a riscos de vida. Esses percalços reforçam como é essencial que as empresas, e a sociedade como um todo, busquem promover ativamente a inclusão e diversidad­e. De fato!

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