Folha de Londrina

Lula deve enfrentar resistênci­a para emplacar nova âncora fiscal

Para analistas políticos e senadores, governo terá obstáculos para aprovar reforma tributária no Congresso Nacional

- Ricardo Westin

Brasília - Recém-empossado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) escolheu aprovar uma reforma tributária como a prioridade de seu governo no Congresso Nacional para os primeiros meses de 2023. Na avaliação de analistas políticos e senadores, tanto da base governista quanto da oposição, a opção legislativ­a do novo governo é acertada.

Perseguida há anos por diferentes presidente­s, a reforma busca tornar mais simples e justo o cipoal de impostos, taxas e contribuiç­ões cobrados do sistema produtivo e dos cidadãos, de modo a estimular o consumo, atrair investidor­es, dinamizar a economia, gerar empregos, aumentar a arrecadaçã­o estatal e garantir mais verbas para políticas públicas.

“A reforma tributária finalmente vai sair do papel”, afirma o senador Humberto Costa (PTPE), que fez parte do governo de transição, no fim de 2022, e foi ministro da Saúde de Lula entre 2003 e 2005. “Existem propostas de reforma que tramitam há tempos no Senado e na Câmara e estão prontas para serem votadas. Basta que sejam ajustadas ao programa de governo de Lula.

— Como a reforma tributária é de interesse do país, não tenho dúvida de que o Parlamento fará a sua parte”, diz o senador Carlos Viana (PLMG), correligio­nário do ex-presidente Jair Bolsonaro. “É urgente que se reduzam o encargo das empresas e o custo-Brasil e que se torne o pagamento de tributos mais equilibrad­o.”

A urgência de uma modernizaç­ão tributária decorre dos resultados negativos do país nos últimos tempos em indicadore­s como contas públicas, juros, desemprego, emprego informal, inseguranç­a alimentar, pobreza e cresciment­o econômico.

Entre os objetivos da reforma tributária está estimular a economia e reduzir a inflação

Existem sobre a mesa diferentes propostas de reforma tributária. A mais recente delas, apresentad­a em dezembro, é a Proposta de Emenda à Constituiç­ão (PEC) 46/2022, do senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR).

As mais adiantadas são a PEC 110/2019, que tramita no Senado, e a PEC 45/2020, que é analisada na Câmara. Um dos formulador­es desta última proposta é o economista Bernard Appy, que ocupa no Ministério da Fazenda o cargo de secretário extraordin­ário da reforma tributária.

O cientista político Cláudio Couto, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), acredita que a reforma desenhada por Appy é a que tem mais chances de vingar. “Na eleição presidenci­al de 2018, essa proposta teve o apoio dos principais candidatos, incluindo Fernando Haddad, Ciro Gomes, Geraldo Alckmin e Marina Silva. A exceção foi Jair Bolsonaro. Por mais espinhosa que uma reforma tributária seja, por afetar múltiplos interesses e deixar ganhadores e perdedores, a proposta de Appy congrega apoio maior do que propostas anteriores.”

Couto enxerga outro fator que abrirá caminho para o avanço da reforma tributária no Congresso. O governo Lula, de acordo com ele, colocará para funcionar novamente as engrenagen­s típicas do presidenci­alismo de coalizão.

Dada a multiplici­dade de partidos políticos, o governante normalment­e não dispõe de maioria automática no Legislativ­o. Pelas regras do presidenci­alismo de coalizão, ele precisa abrir-se à negociação política com os parlamenta­res de modo a atraí-los para a base governista.

No caso dos partidos de oposição, o presidente tem que angariar o apoio deles pelo menos na votação de projetos importante­s.

“Bolsonaro fez uma coisa bastante curiosa como presidente. Embora tivesse uma base parlamenta­r que o protegia, ele abdicou da condição de líder de uma coalizão legislativ­a, aquele que faz a agenda do governo avançar. Ele mandava projetos importante­s para o Congresso e dizia: ‘Já fiz a minha parte e não tenho mais nada a ver com isso. Agora o problema é do Senado e da Câmara’”.

Isso deve mudar. Lula tende a se empenhar e retomar o protagonis­mo do Poder Executivo porque foi assim que ele se comportou em seus dois mandatos anteriores. Ele teve contato próximo com os parlamenta­res, participou de negociaçõe­s e dialogou, tudo o que Bolsonaro não fez.

O cientista político João Feres Júnior, professor da Universida­de do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), concorda com essa avaliação. “Bolsonaro fez um governo atípico no Brasil porque, em termos de políticas públicas e legislação, empenhou-se muito pouco em ser protagonis­ta. Nem mesmo a pauta ultraconse­rvadora que ele tanto defendeu teve avanços ou provocou grandes debates parlamenta­res. Em vez de ter uma agenda de políticas públicas, teve uma agenda de desmonte do Estado. Além disso, ele governou mais por decretos assinados por ele próprio do que por leis aprovadas pelo Parlamento. Como o governo Lula é mais propositiv­o, certamente voltaremos ao paradigma anterior do presidenci­alismo de coalizão, que é o mecanismo que garante a governabil­idade.”

Senadores e analistas políticos também apontam como acertada a segunda prioridade legislativ­a do governo Lula para os próximos meses: a aprovação de um novo arcabouço fiscal, incluindo alguma âncora que substitua o teto de gastos no controle das contas públicas.

Aprovado na virada de 2016 para 2017, o teto se mostrou insustentá­vel especialme­nte após os gastos expressivo­s do Estado decorrente­s da pandemia de covid-19, iniciadaem­2020.

Feres Júnior explica que o teto de gastos criou “um problema seríssimo para a solvência da administra­ção pública”. “Se não se resolver a questão dos gastos públicos, não será possível governar o Brasil. Até mesmo Bolsonaro, que tinha um projeto de encolher o Estado, enfrentou problemas sérios para tentar se manter dentro do teto. Há que entenda que ele de fato rompeu o teto, principalm­ente no ano eleitoral. Imaginemos, então, as dificuldad­es que seriam enfrentada­s por um governo que tem na agenda a reconstruç­ão da capacidade estatal, como é a gestão Lula. Sem possibilid­ade de gastar, o poder público fica de mãos atadas numa situação trágica e urgente como a dos índios ianomâmis. Tendo pouca capacidade financeira, o Estado não tem como mitigar as desigualda­des e garantir a dignidade da população.”

AUXÍLIOS

Na questão social, o novo governo precisa aprovar no Congresso a Medida Provisória (MP) 1.155/2023, que trata dos valores pagos à população mais pobre por meio do Auxílio Brasil e do Programa Auxílio Gás. Em breve, Lula deve anunciar uma reformulaç­ão das regras do Auxílio Brasil, que voltará a se chamar Bolsa Família.

Os 27 senadores (um terço do Senado) e os 513 deputados federais eleitos em 2022 tomam posse nesta quarta-feira (1º). No mesmo dia, Lula apresenta ao Congresso a Mensagem Presidenci­al, que elenca as prioridade­s do governo para o ano. A reforma tributária, o novo arcabouço fiscal e o Bolsa Família deverão aparecer com destaque no documento.

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Plenário da Câmara dos Deputados durante sessão solene do Congresso Nacional destinada a dar posse ao presidente Lula e ao vice-presidente da República: novos embates à vista
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Jonas Pereira/ Agência Estado

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