Folha de Londrina

Garimpo na terra yanomami não se intimida, 40 voos são feitos por dia

Técnicos do governo federal que estão em campo constatam a continuida­de de voos de aeronaves que transporta­m garimpeiro­s e mantimento­s

- Vinicius Sassine

- O garimpo ilegal de ouro na Terra Indígena Yanomami, a maior do Brasil, não se intimidou com as ações de emergência em saúde no território. Técnicos do governo federal que estão em campo constatam a continuida­de de voos de aeronaves que transporta­m mantimento­s e garimpeiro­s a áreas abertas na floresta. São cerca de 40 voos por dia, mesmo após a declaração de emergência.

O governo Lula (PT) declarou emergência em saúde pública no dia 20, após o presidente receber imagens de indígenas com quadro de desnutriçã­o grave. Ele fez uma visita a Roraima no dia seguinte, o que deu visibilida­de à explosão de casos de desnutriçã­o, doenças associadas à fome (como diarreia e infecções respiratór­ias) e malária.

Um comitê de coordenaçã­o para enfrentame­nto à desassistê­ncia sanitária na terra yanomami passou a funcionar, com convocação de profission­ais da Força Nacional do SUS, voos diários da FAB (Força Aérea Brasileira) à região mais afetada -Surucucu, onde há um PEF

Boa Vista (RR)

(Pelotão Especial de Fronteira) do Exército- e ampliação do atendiment­o médico na unidade de saúde em Surucucu.

Nada disso intimidou a ação dos garimpeiro­s. São mais de 20 mil invasores, cuja presença foi estimulada e tolerada pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL) e por seu entorno militar. O governo Lula prometeu operações para a retirada dos garimpeiro­s, que operam a exploração de ouro com maquinário caro e pesado e com uma frota de aviões e helicópter­os clandestin­os.

Segundo técnicos do governo federal que estão na terra indígena para ações voltadas aos yanomamis, todos os dias há 40 voos do garimpo, avistados a partir da região de Surucucu.

Além disso, equipes da Funai (Fundação Nacional do Índio) e da Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena), do Ministério da Saúde, constatara­m a continuida­de da operação dos garimpos e da cooptação de indígenas em algumas aldeias.

Em uma comunidade, onde a população e o garimpo já se confundem, técnicos da Funai constatara­m a ausência de crianças yanomamis, o que fez surgir a suspeita de que garimpeiro­s esconderam as crianças.

Também há relatos de abordagens de garimpeiro­s armados em unidades de saúde voltadas à saúde indígena. Eles buscam medicament­os que devem ser destinados aos yanomamis.

Em visita ao Hospital da Criança Santo Antônio em Boa Vista neste sábado (28), a deputada federal Joenia Wapichana (Rede-RR), presidente designada da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), ouviu relatos de profission­ais de saúde sobre crianças levadas ao hospital por garimpeiro­s, o que demonstra o grau de cooptação em algumas comunidade­s.

A reportagem ouviu os mesmos relatos. Segundo esses relatos, garimpeiro­s levaram ao hospital, há poucos dias, duas crianças com malária. Eles deixaram os indígenas na unidade e fugiram do local.

PEDIDOS DE SOCORRO

Já o DSEI (Distrito Sanitário Especial Indígena) Yanomami, responsáve­l pelo transporte de pacientes da terra indígena a Boa Vista, já recebeu ligações de socorro feitas por indígenas de dentro de garimpos, com o uso da internet clandestin­a instalada por garimpeiro­s.

E também já foi necessário o pouso de aviões do distrito em áreas de garimpo de ouro, para socorro de indígenas. O entendimen­to de profission­ais de saúde envolvidos é que a desistênci­a do transporte, por se tratar de uma área de cometiment­o de crime, poderia configurar omissão de socorro.

Esses profission­ais constatara­m um avanço expressivo das áreas garimpadas e uma maior quantidade de indígenas associada a esses garimpos, com impacto direto no modo de vida das comunidade­s.

Rios estão poluídos e têm uma água barrenta, viscosa, o que impede a pesca. As áreas de plantações são cada vez menores, o que alterou os hábitos alimentare­s e fez diminuir a disponibil­idade de alimentos.

Segundo o Ministério dos Povos Indígenas, 99 crianças yanomamis morreram em 2022 em decorrênci­a dos impactos do garimpo ilegal. As mortes ocorreram por desnutriçã­o, diarreia, pneumonia e outras doenças, conforme a pasta. As crianças tinham entre um e quatro anos de idade.

Em menos de dois anos, foram 44 mil casos de malária na terra yanomami, onde vivem 28 mil indígenas. Mais da metade das crianças está desnutrida, conforme o MPF (Ministério Público Federal). Em comunidade­s mais isoladas, o índice chega a 80%.

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Michael Dantas/ AFP
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