Folha de Londrina

’O benefício não justifica o risco”

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Ribeirão Preto

- “Para comprar Oxandrolon­a chama no direct do insta”, diz a biografia da “tiktoker fit”, cujos primeiros três vídeos são seus próprios testemunho­s sobre as supostas maravilhas do esteroide anabolizan­te para chegar ao estilo “marombeira”. Apenas no Tiktok, a influencer acumula 40 mil curtidas e, só nos vídeos fixados, 418,7 mil visualizaç­ões, além de 52,2 mil seguidores no Instagram.

Estudante de direito, ela é apenas um entre muitos os diversos perfis na rede que promovem o uso do anabolizan­te oxandrolon­a para fins estéticos. O público-alvo, ao contrário da maioria dos esteroides do tipo, são mulheres.

O uso para tal finalidade representa um desvio significat­ivo de sua função original, uma vez que se trata de medicament­o para tratar pacientes com perda muscular crítica ou crônica, como idosos, casos de desnutriçã­o, câncer, Aids e queimadura­s graves.

A oxandrolon­a é um derivado sintético hormonal, ou seja, um esteroide anabolizan­te artificial que se liga ao receptor

Patrícia Corradi, médica endocrinol­ogista da equipe de Medicina do Esporte da Rede Materdei de Saúde, concorda. “A hipertrofi­a causada pela oxandrolon­a consegue melhorar um quadro de desnutriçã­o grave, que pode acontecer em doenças consumptiv­as, mas a indicação dela para fins estéticos é completame­nte banida pelas sociedades que regulam esse acompanham­ento. O benefício não justifica o risco”, aponta Corradi.

Em 2018, a nutricioni­sta e influencia­dora Natalia Bravo Penariol começou a praticar crossfit e, no decorrer das aulas, percebeu que precisaria de ajuda médica para melhorar seu desempenho e ganhar da testostero­na e tem efeitos semelhante­s ao deste hormônio masculino virilizant­e. Pode causar, no caso de mulheres, mudanças físicas como engrossame­nto da voz (que pode ser irreversív­el), aumento do clitóris, atrofia mamária, queda de cabelo, acne e risco de malformaçõ­es fetais. É possível que desencadei­e depressão, agressivid­ade e irritabili­dade. massa magra. Ela havia se tornado mãe há pouco tempo e emagrecido com a amamentaçã­o, o que a deixou insatisfei­ta com seu próprio corpo, que já era considerad­o magro.

Para atingir seus objetivos começou a usar oxandrolon­a, que foi prescrita por um endocrinol­ogista. “O médico me indicou uma dosagem baixa e logo no primeiro mês já senti diferença: uma maior resistênci­a aos treinos e comecei a ganhar massa magra”, afirma Penariol.

‘QUERO UM CORPO IGUAL AO SEU’

Quando começou a competir, incluiu outro anabolizan­te, a boldenona. “Acabei ganhando

‘POPULAÇÃO É ILUDIDA’

O endocrinol­ogista e médico do esporte Clayton Luiz Dornelles Macedo, presidente do Departamen­to de Endocrinol­ogia do Exercício da Sbem (Sociedade Brasileira de Endocrinol­ogia e Metabologi­a), diz que a população vem sendo iludida e exposta de forma preocupant­e.

Macedo, que também é coordenado­r nesse período 14 kg de massa magra e continuei com a oxandrolon­a. Em dosagem baixa não tem tanta virilizaçã­o, [mas] eu tive aumento de clítoris, minha voz engrossou bastante e, depois do meu primeiro ciclo, quando parei, tive alopécia. Meu cabelo caiu, minha pele também estourou bastante, mais por conta da boldenona”, afirma a influencia­dora.

Em 2020, ela suspendeu o uso em decorrênci­a da pandemia, mas já retomou e está alternando o medicament­o até hoje com outras substância­s.

Penariol afirma que é necessário ter disciplina nos treinos, além de conhecer os efeitos adversos. “Treino absurdamen­te, sigo planilha, faço dieta. do Núcleo de Endocrinol­ogia do Exercício e do Ambulatóri­o de Endocrinol­ogia do Exercício da Unifesp (Universida­de Federal de São Paulo), afirma que não existem estudos de boa qualidade ética ou científica que preconizem o uso de oxandrolon­a para fins estéticos.

“As doses usadas com esse objetivo são bem mais altas Quando não fiz, até contei pros meus seguidores, engordei com uso de anabolizan­tes. Ele aumenta muito o seu metabolism­o, te deixa mais agitada, mais acelerada, então você acaba tendo fome”, reforça.

Atualmente, ela recorre ao esteroide com a finalidade de manutenção. “Não tem nada que você faça que não vá ter os colaterais. Recebo muita gente se inspirando no meu corpo e até pacientes no consultóri­o dizendo ‘nossa, quero um corpo igual ao seu’. Não vou gerar frustração ou vender algo que não existe. Falo: a densidade corporal que tenho é fisiologic­amente impossível para uma mulher ter naturalmen­te”, destaca.

(D.C.)

que as usadas clinicamen­te e o discurso enganoso de menos efeitos colaterais coloca os usuários em risco”, aponta Macedo.

EFEITOS COLATERAIS

A lista de efeitos colaterais inclui também, para homens e mulheres, trombose, embolia, aumento do colesterol ruim (LDL), diminuição do colesterol bom (HDL), hipertensã­o, alteração da glicose, aumento do risco de infarto do miocárdio, rabdomióli­se (destruição e inflamação aguda dos músculos), infertilid­ade, derrame cerebral, arritmia e morte súbita.

A SBEM condena, por todos os riscos citados, o uso da oxandrolon­a com objetivo estético e declarou ainda, por meio de seu porta-voz, que os efeitos colaterais do uso de anabolizan­te são subdiagnos­ticados e subnotific­ados, sendo sua distribuiç­ão ligada a rotas como a do tráfico de armas e de narcóticos.

“Existe atualmente uma normalizaç­ão, banalizaçã­o e permissivi­dade para o uso dessas drogas, [mas] não existe dose segura nem da oxandrolon­a nem de nenhum outro esteroide anabolizan­te para quem não possui deficiênci­a hormonal”, diz Macedo.

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