Folha de Londrina

Argentina precisará entrar com garantias reais para ter moeda única com Brasil

Peso argentino tem dificuldad­es de aceitação nas transações comerciais internacio­nais, principalm­ente em meio à crise inflacioná­ria que assola o país e corrói o poder de compra da moeda local

- Nathalia Garcia e Idiana Tomazelli

Brasília - A Argentina precisará entregar ativos reais como garantia nas transações realizadas com a moeda comum com o Brasil para que o plano saia de fato do papel, segundo interlocut­ores do governo ouvidos pela reportagem.

A criação da chamada moeda comum faz parte de uma estratégia do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de fortalecim­ento das relações comerciais com a Argentina, num momento em que a China vem tomando espaço do Brasil na região.

O modelo em estudo pela equipe do ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), prevê que os bancos emprestem aos argentinos os reais necessário­s para bancar as importaçõe­s, eliminando o dólar como moeda intermediá­ria dessas transações.

O plano de Haddad é usar o FGE (Fundo de Garantia à Exportação) para destravar linhas de crédito e financiar importador­es argentinos que querem adquirir bens produzidos no Brasil, mas hoje não conseguem devido à escassez de dólares no país vizinho.

A necessidad­e de a Argentina entregar ativos reais seria, portanto, uma contrapart­ida às garantias brasileira­s, que serão fornecidas por meio do FGE.

O ponto central seria criar um mecanismo de compensaçã­o do comércio entre os dois países. Não se trata, portanto, de lançar uma moeda propriamen­te dita, como o real ou o peso —que continuari­am existindo de forma independen­te. Esse ponto é destacado por interlocut­ores do governo porque, desde que a ideia foi lançada, os ruídos em torno do tema ampliaram as críticas à medida.

O peso argentino tem dificuldad­es de aceitação nas transações comerciais internacio­nais, principalm­ente em meio à crise inflacioná­ria que assola o país e corrói o poder de compra da moeda local.

As exportaçõe­s para os argentinos subiram 29,3% em 2022, alcançando US$ 15,4 bilhões. O valor representa 4,6% das vendas externas brasileira­s, o que coloca o país como quarto principal parceiro comercial do Brasil.

Pelo modelo em elaboração, o pagamento seria feito pelos bancos diretament­e ao exportador brasileiro, para evitar que a moeda brasileira —mais forte que o peso— ingresse na Argentina e seja trocada por dólares, desviando-se do objetivo da política.

O importador assume então o compromiss­o de quitar a operação com o banco no futuro e em reais. Em caso de calote, as garantias seriam acionadas.

O FGE tem hoje R$ 43,4 bilhões em ativos, o que, na avaliação do governo, é mais que o suficiente para dar cobertura às transações —já contemplan­do uma margem para acomodar o risco de desvaloriz­ação adicional do peso. O Brasil também tem uma posição externa muito mais confortáve­l, com mais de US$ 330 bilhões em reservas internacio­nais.

Mas haverá também um colateral da Argentina. Como o país vizinho não tem dólares, essa garantia será dada em ativos reais, como barris de petróleo ou outras commoditie­s. Eles precisarão estar situados em locais onde a execução das garantias seja líquida e certa, possivelme­nte em outro país.

Em um perguntas e respostas sobre a moeda comum, o

Ministério da Fazenda diz que esse sistema de compensaçã­o entre os dois países poderia, por exemplo, viabilizar a exportação de carros e tecidos brasileiro­s e a importação de gás e trigo argentinos.

“Para isso é preciso uma unidade de conta e um meio de troca. A moeda comum vai fazer o clearing [câmara de compensaçã­o], o saldo final desse comércio. Se isso for feito com o dólar, haverá sempre o condiciona­mento à política monetária norte-americana”, diz a pasta.

CAUTELA

Recebida de forma negativa por agentes do mercado financeiro, a proposta não é vista como “necessaria­mente sendo uma loucura” por Tony Volpon, ex-diretor de Assuntos Internacio­nais do Banco Central. O economista ressalta que a Argentina é um mercado potencialm­ente grande para o Brasil.

“Facilitar e abrir esse mercado para exportação brasileira sem tomar riscos desmedidos de crédito, se forem prazos razoáveis com tamanhos razoáveis, até vale a pena. Mas temos de lembrar que muitas vezes essas coisas não dão certo, e calotes são frequentes”, afirma.

Ele pondera que o governo brasileiro tomará risco de crédito com um país que historicam­ente tem tido problemas para honrar suas dívidas. A Argentina precisou negociar um acordo com o FMI (Fundo Monetário Internacio­nal) em 2022 para evitar um calote em suas dívidas.

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Ricardo Stuckert/PR Especialis­tas ponderam que o governo brasileiro tomará risco de crédito com um país que tem tido problemas para honrar dívidas

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