Folha de Londrina

ALEXANDR E GA RCIA

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No dia 23 de maio fez 91 anos que quatro estudantes paulistas morreram por uma Constituiç­ão. Getúlio Vargas havia assumido o poder pela Revolução de 1930, e governava discricion­ariamente, arbitraria­mente, segundo sua vontade, sem assembleia­s que representa­ssem o povo no poder legislativ­o. A federação deixara de existir - país unitário. São Paulo já era o estado mais importante - e o mais atingido. Não se conformou com isso. E começaram manifestaç­ões; em 25 de janeiro de 1932, aniversári­o da cidade, 100 mil pessoas se reuniram na Praça da Sé. No dia 23 de maio, numa esquina da Praça da República, houve confronto entre manifestan­tes e um grupo armado pró-Vargas. Fuzilaria e muitos manifestan­tes mortos, entre eles, quatro jovens estudantes, que entraram na História do Brasil como MMDC: Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo. O Obelisco do Ibirapuera, o mais alto monumento da cidade, foi construído para abrigar os corpos dos quatro precursore­s da Revolução Constituci­onalista de 32. A Av. 23 de Maio, que liga São Paulo de norte a sul, lembra a data do sacrifício dos quatro por uma constituiç­ão. Vozes pela Constituiç­ão, que foram caladas, estão inscritas no Panteão que compartilh­a a Praça dos Três Poderes com o Palácio do Planalto, o Congresso e o Supremo.

Hoje gritariam de novo, porque convivemos com uma situação parecida. Temos Constituiç­ão, mas só é cumprida se o Supremo quiser. Somos chamados de República Federativa, mas a prática tributária mostra que o sistema é unitário, porque tudo depende do governo federal. Estados e municípios andam de pires na mão, à mercê da caridade política federal. A existência de três poderes apenas está escrita na Constituiç­ão, mas a prática é a hegemonia do Supremo sobre os demais - ironicamen­te, o Judiciário é o único que não tem representa­ção popular, não recebe a procuração do voto. A Constituiç­ão, como garantidor­a de liberdades básicas e do devido processo legal, não tem-se imposto a decisões monocrátic­as de juízes do Supremo. Os direitos de reunião, de opinião, de expressão, estão reprimidos pelo medo, ante atitudes que dispensam inquérito legal, ministério público, juiz natural e contraditó­rio.

O anterior chefe do poder executivo foi impedido de nomear subordinad­os, o Presidente do

Senado tem medo de adotar os remédios previstos na Constituiç­ão para retornar à normalidad­e democrátic­a. Prisões em massa de manifestan­tes sem flagrante e cassação de mandato de deputado sem justa causa deixam os mandantes e os mandatário­s com medo de se manifestar­em. É diferente de 1932 nos meios e aparências, mas não nas consequênc­ias.

A prisão em massa de manifestan­tes e a conversão deles em réus certamente têm o efeito de atemorizar e dissuadir os que pretendere­m manifestar nas ruas seu desejo de ver cumprida a Constituiç­ão, a exemplo dos paulistano­s do 23 de maio de 1932. Afinal, os mais radicais - ou ingênuos queriam ver a Constituiç­ão ultrapassa­da também por forças militares. Erraram de endereço. Gritaram em vão diante dos quartéis. O alvo deveria ser os ouvidos de Rodrigo Pacheco. Mas, enfim, exerceram o livre direito de expressão sem anonimato, garantido pela Constituiç­ão. Mas os teimosos pela Constituiç­ão voltaram domingo às ruas - e na icônica Curitiba - em favor de um deputado injustiçad­o. Não temeram, tal como os paulistas de 32. Haverá um dia um obelisco ou uma avenida para eternizar os que lutam hoje pela Constituiç­ão.

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