Folha de S.Paulo

Consequênc­ias da espionagem no México podem ser as mais graves

- GEOFF DYER DO “FINANCIAL TIMES”, EM WASHINGTON Tradução de PAULO MIGLIACCI

“Acho que o governo errou feio”, disse Mark Zuckerberg, o fundador do Facebook, sobre a sucessão de vazamentos relativos à Agência de Segurança Nacional dos EUA.

Desde que Edward Snowden fez suas primeiras revelações, em junho, o governo dos EUA mantém um argumento imutável: o de que não houve espionagem ilegal contra cidadãos americanos.

O problema desse argumento, claro, é a sua atitude emrelação ao resto do mundo. Nas palavras irônicas de Zuckerberg, “isso realmente ajuda empresas que tentam atender a pessoas de todo o planeta”.

Nos círculos oficiais de Washington, as implicaçõe­s internacio­nais das revelações não são tão claras: há quem ache que as revelações são uma tempestade que não demorará a passar, enquanto outras autoridade­s veem danos duradouros ao prestígio e à influência dos EUA.

A reação inicial do governo americano foi insistir em que a NSA nada havia feito de errado. Desde então, seu tom se abrandou um pouco.

Quando o Brasil teve um rompante de raiva diante das revelações, a Casa Branca disse que os EUAtinham “o compromiss­o de trabalhar com o Brasil a fim de resolver essas preocupaçõ­es”.

O estilo mais brando não funcionou: a presidente Dilma Rousseff cancelou sua visita de Estado.

Nesta semana, após o protesto da França, os EUA pareceram ceder um pouco mais. Em telefonema ao colega francês François Hollande, Barack Obama afirmou que as revelações despertava­m “questões legítimas para os nossos amigos e aliados”.

Entre todas as objeções às ações da NSA, as da França foram as que receberam menos simpatia emWashingt­on. Os dois países têm uma longa tradição de espionagem um contra o outro. Antes que os chineses entrassem na parada, os EUA considerav­am a França um dos países mais agressivam­ente envolvidos na obtenção ilegal de segredos comerciais e dedicavam muito esforço a rastrear o comportame­nto francês em países como a Síria e o Iraque.

O verdadeiro teste talvez venha a ser o México, que recebeu menos atenção, mas sobre o qual os vazamentos revelaram detalhes compromete­dores —documentos indicam que a NSA coletou e-mails do presidente Enrique Peña Nieto, quando este ainda era candidato, e do expresiden­te Felipe Calderón.

Aguerra entre o Estado mexicano e os cartéis das drogas tem implicaçõe­s evidentes para a segurança nacional americana. Se a ira mexicana levar o país a limitar sua cooperação de segurança com os EUA, o aparelho de inteligênc­ia americano não poderá evitar a conclusão de que “errou feio” ao espionar países amigos de maneira intrusiva demais. Washington terá de começar a fazer essa escolha.

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