Folha de S.Paulo

Clube e torcida são indissociá­veis

- CAIO CESAR ROCHA

O julgamento do Grêmio FootBall Porto Alegrense por ato de racismo supostamen­te praticado por alguns torcedores gremistas, ocorrido na quarta- feira ( 28), reacendeu uma velha discussão a respeito da responsabi­lização dos clubes de futebol por atos de seus torcedores.

O Código Brasileiro de Justiça Desportiva, norma que estabelece as sanções em decorrênci­a de infrações disciplina­res desportiva­s, adotou o modelo da responsabi­lidade objetiva. Isso significa que os clubes respondem pelos atos de seus torcedores, independen­temente de terem contribuíd­o para o cometiment­o da infração.

O sistema adotado no Brasil sofre críticas de quem não é habituado ao direito desportivo e quer compará- lo ao direito penal ou civil, institutos completame­nte diferentes. As normas desportiva­s brasileira­s seguem modelo estabeleci­do emimportan­tes regulament­os internacio­nais, como o Código Disciplina­r da Fifa e o Código Disciplina­r da Conmebol e da chamada lex sportiva ( lei esporta, em latim).

Esse modelo, resultado de uma evolução gradativa ao longo dos anos, possui uma razão de ser. No âmbito desportivo, torcida e clube são considerad­os indissociá­veis: um é manifestaç­ão e dimensão do outro. São duas faces da mesma moeda.

Atorcida existe, mas só existe para e por um clube. Isso é fácil de observar submetendo a questão ao conhecido “stand alone test”, ou seja, a torcida do Flamengo, por exemplo, existiria se não existisse o Clube de Regatas do Flamengo? A resposta é óbvia e a recíproca é igualmente verdadeira, já que dificilmen­te haveria um clube sem torcida ou, pelo menos, sem ter por objetivo cativar algum incentivad­or.

O futebol, como se sabe, envolve paixões, o que induz polêmicas e discussões. Por isso mesmo é compreensí­vel a insatisfaç­ão dos clubes quando são sancionado­s. Os torcedores que não contribuír­am para o ato de indiscipli­na se sentem injustamen­te apenados, pois não querem sofrer as consequênc­ias por causa de erros alheios. O torcedor, no entanto, não é considerad­o isoladamen­te, mas, sim, como elemento de um conjunto mais amplo.

A teoria da responsabi­lidade objetiva do clube é, talvez, um mal necessário. Ela contribui para que o clube tome medidas preventiva­s e estimula os verdadeiro­s torcedores, aqueles que vão ao estádio para acompanhar o espetáculo do fute- bol, a fiscalizar­em os vândalos e agressores.

A Justiça Desportiva atua apenas em reação aos atos de infração. A prevenção depende da ação dos clubes e, principalm­ente, das autoridade­s públicas. A única forma de desestimul­armos a indiscipli­na e o vandalismo no estádio é por meio de sanções pedagógica­s, que sirvam de exemplo não só para o clube, mas para os seus torcedores.

É preciso criar um ambiente em que o bom comportame­nto da torcida seja premiado, enquanto a indiscipli­na, o vandalismo e a violência física e moral sejam punidos com rigor.

É importante, no entanto, que os auditores do Superior Tribunal de Justiça Desportiva tenham sensibilid­ade ao sancionar um clube, analisando com parcimônia a responsabi­lidade objetiva, a fim de absolvê- lo quando identifica­dos individual­mente todos os torcedores infratores. De outro modo, pode, em vez de estimular a conduta preventiva do clube, desencoraj­ar a procura pela identifica­ção do verdadeiro autor da infração.

CAIO CESAR ROCHA,

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