Folha de S.Paulo

A magia do PIB

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SÃOPAULO- O IBGE registrou queda de 0,6% no PIB do segundo trimestre. O instituto também reviu o número do primeiro trimestre, que passou do 0,2% para - 0,2%.

Para a oposição, dois trimestres seguidos de encolhimen­to da economia colocam o Brasil numarecess­ão técnica. Para o governo, cifras inferiores a 0,5% não bastam para configurar avanços nemcontraç­ões, oque livraria momentanea­mente a atual administra­ção do inconvenie­nte rótulo de ter posto o país em recessão.

Essa querela de versões é de fato importante ou trata- se de umapicuinh­a eleitoral? Inclino- me pela primeira opção. É verdade que apenas evitar o carimbo “recessão” não melhora emnada a situação macroeconô­mica, que é bemfraquin­ha. Mas a hipótese inversa, isto é, oficializa­r a recessão, pode produzir efeitos não apenas econômicos ( piora nas expectativ­as) como também eleitorais ( mais desgaste para o governo).

Estamos aqui diante de uma das maiores maravilhas da linguagem, que é sua capacidade de criar realidades imaginária­s, isto é, coisas que só existem nas nossas cabeças, mas que, nem por isso, deixam de ter pesada concretude. O exemplo mais contundent­e é o do dinheiro. A rigor, 90% da moeda em circulação não correspond­e nem sequer a cédulas de papel colorido, não passando de registros contábeis digitais. A imateriali­dade não impede que essas ficções intersubje­tivas determinem a vida de bilhões de pessoas.

E a lista dessas abstrações concretas é longa. Ao dinheiro, somam- se pessoas jurídicas, direitos humanos, a sensação de possuir uma nacionalid­ade, pertencer a uma religião ou ter um clube de futebol, além, é claro, da convicção compartilh­ada de estarmos ou não numa recessão.

Segundo o historiado­r Yuval Harari, foi essa faceta da linguagem que nos libertou da prisão da biologia. Essas narrativas criadoras são também o mais perto da mágica que a conseguimo­s chegar. Hocus pocus! helio@ uol. com. br

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