Folha de S.Paulo

Ativistas tentam livrar Hong Kong do abraço autoritári­o de Pequim

Diante da crescente influência do regime chinês, população busca autonomia no território

- MARCELO NINIO ENVIADO ESPECIAL A HONG KONG

Movimentos lutam por sufrágio universal e direto para eleição do chefe do Executivo, prevista para 2017

Em1842 a China foi obrigada a ceder a ilha de Hong Kong à coroa britânica, depois de ser derrotada na Guerra do Ópio. Era o início de um período de ocupações estrangeir­as conhecido como o “século de humilhação” da China, que terminou com a chegada ao poder dos comunistas liderados por Mao Tsétung, em 1949.

Hong Kong voltou ao controle chinês em 1997, mas hoje vive uma nova ameaça de ocupação. Desta vez por iniciativa de seus próprios cidadãos, que lutam para manter uma autonomia que faz de Hong Kong uma ilha de liberdade no meio do autoritari­smo imposto pelo Partido Comunista no resto da China.

Na linha de frente da batalha está o movimento “Occupy Central”. Há quase dois anos seus integrante­s fazem campanha pelo sufrágio universal direto para a escolha do chefe do Executivo do território, na votação prevista para 2017. O nome do grupo é uma referência à proposta de paralisar com protestos a “Central”, o distrito financeiro de Hong Kong.

No último domingo ( 31), o movimento sofreu um duro golpe, quando o governo chinês anunciou as regras para o processo eleitoral de 2017. O voto direto foi mantido, mas a proposta dá a Pequim o controle sobre quem serão os candidatos. Os ativistas acusam o governo chinês de descumprir uma promessa feita em 2007 de conceder sufrágio universal na eleição para o chefe de governo.

Em resposta, um dos líderes do “Occupy Central” declarou aberta uma“era de desobediên­cia civil”. Apesar de o movimento defender métodos pacíficos inspirados em Martin Luther King, Mahatma Ghandi e Nelson Mandela, a promessa de manter a resistênci­a gerou temores de confrontos com a polícia e instabilid­ade no maior centro financeiro da Ásia.

Na base do movimento estão os estudantes universitá­rios, que eram crianças quando Hong Kong deixou de ser colônia britânica. Mesmosem muita esperança de mudar a decisão de Pequim, eles se recusam a abandonar a luta.

“As restrições à eleição do chefe do Executivo são apenas mais um indício da interferên­cia de Pequim nas liberdades em Hong Kong”, diz à Folha o franzino Gary Fong, 22, vice- presidente da união de estudantes da Universida­de Chinesa de Hong Kong. “Se recuarmos, continuare­mos perdendo espaço”. IMPRENSA A principal vítima da erosão das liberdades civis é a imprensa. Segundo relatório da Associação de Jornalista­s de Hong Kong, o último ano foi “o mais sombrio” das últimas décadas para a liberda- de de imprensa no território. Uma pesquisa da entidade diz que 79% dos profission­ais da área acham que a autocensur­a aumentou desde 2005 e 36% admitiram praticá- la.

Sob a fórmula de “umpaís, dois sistemas”, adotada por Pequim após a transição em 1997, Hong Kong recebeu garantias de liberdade de imprensa. Na prática, a crescente influência econômica da China continenta­l significa que os veículos de mídia preferem abafar temas sensíveis para não perder contratos de publicidad­e nem estremecer relações com Pequim.

Sem falar nos casos de violência. De acordo com um levantamen­to entregue à Folha pela líder do Partido Democrátic­o de Hong Kong, Emily Lau, houve oito ataques a jornalista­s desde a chegada ao poder, em 2012, do chefe do governo de Hong Kong, Leung Chun- ying.

A autocensur­a não se limita a jornalista­s. A atmosfera é muito mais livre que em qualquer cidade da China continenta­l. Mas a vigilância tem deixado as pessoas ressabiada­s em Hong Kong.

“Antes as pessoas falavam livremente de qualquer assunto”, diz a cineasta Emily Wong, 47, em seu estúdio. “Agora elas pensam duas vezes antes de se meter em assuntos sensíveis”.

Hong Kong deve sua prosperida­de à capacidade de atravessar anos de domínio britânico e comunista com o princípio de manter o pragmatism­o econômico acima da política. Mas investidor­es têm se perguntado até onde irá a influência de Pequim, e se ela irá interferir no sistema jurídico de Hong Kong.

Para Rodrigo do Val Ferreira, advogado com anos de vivência na China, a ameaça de uma “era de desobediên­cia civil” não deve alterar os negócios. “Em relação a investimen­tos acredito que muito pouco muda. Hong Kong continua com grau razoável de autonomia em finanças e em seu sistema jurídico e isso não se altera no curto ou médio prazo”, diz ele, sócio- fundador da ALA Holding Group.

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Vincent Yu/ Associated Press Manifestan­tes de Hong Kong levantam seus telefones celulares em protesto contra a política chinesa para o território
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