Folha de S.Paulo

Maduro escanteia pragmático­s em‘ sacudón’

Presidente venezuelan­o dá guinada à esquerda em reforma de seu governo, para tentar recuperar popularida­de

- SAMY ADGHIRNI

País vive situação de crise econômica, com descontrol­e da inflação, escassez de produtos e câmbio artificial

DE CARACAS

Na noite da última quinta ( 4), um apresentad­or da TV estatal venezuelan­a vestido com as cores da bandeira falava em tom grave, com um retrato do ex- presidente Hugo Chávez ao fundo.

“O comandante Chávez bem que nos avisou de onde viria a maior ameaça à nossa revolução bolivarian­a: das nossas divisões”, disse.

Em seguida, entrou no ar um discurso de 2009 em que o então presidente defendia a tese — nunca comprovada— de que Simón Bolívar, herói da independên­cia da Venezuela no século 19, havia sido traído e morto por “seus companheir­os”.

Otomdramát­ico reflete um esforço do presidente Nicolás Maduro, líder do país desde a morte de Chávez em 2013, para tentar estancar rachas nas fileiras governista­s que se acirram no embalo de uma grave crise econômica.

Na disputa entre governista­s pragmático­s e ideológico­s, Maduro sinaliza ter escolhido seu campo. Na última terça ( 2), ele foi à TV rejeitar qualquer “solução capitalist­a” aos problemas do país, que incluem inflação de 60%, desabastec­imento, queda da renda petroleira e outros.

Em vez de apresentar um pacote de reformas econômicas que muitos davam como incontorná­vel, o presidente anunciou mudanças no gabinete vistas como favoráveis à esquerda do chavismo e pediu à base que apoiasse o que chamou de “sacudón”.

O sinal mais visível desta orientação foi o afastament­o de Rafael Ramírez dos três cargos que ocupava: vice- presidente para a Economia, ministro de Petróleo e Minas e presidente da estatal petroleira PDVSA, responsáve­l por 97% da renda da Venezuela.

Ramírez era tido por investidor­es como interlocut­or crível e defendia a diminuição dos subsídios aos combustíve­is que fazem da gasolina venezuelan­a a mais barata do mundo, mas custam US$ 12 bilhões anuais ao Estado.

Realocado na Chancelari­a, ele também era favorável ao fim das taxas de câmbio mantidas artificial­mente. “Ao

DANÇA DAS CADEIRAS

Maduro evita mudar economia, mas altera gabinete

substituir Ramírez, Maduro envia mensagem de que descarta seu plano”, diz o economista Orlando Ochoa, doutor pela Universida­de Oxford.

O supercargo de Ramírez foi pulverizad­o entre três homens de confiança de Maduro: Asdrúbal Chávez, primo do ex- presidente, passa para o Ministério do Petróleo; o general e ministro da Economia Marco Torres assume a VicePresid­ência para a Economia; e Eulogio Del Pino, veterano da PDVSA, é promovido ao comando da estatal.

A nomeação de Del Pino, tecnocrata formado nos EUA, é vista como esforço para tranquiliz­ar investidor­es que Caracas tenta atrair para modernizar a infraestru­tura e reverter a queda de produção de 20% desde que Chávez implantou sua gestão socialista, em 1999.

Em outro aceno à esquerda, a Vice- Presidênci­a de Desenvolvi­mento de Socialismo Territoria­l e o Ministério de Comunas e Movimentos Sociais adquirem importânci­a ao passar ao comando de Elias Jaua, ex- chanceler.

Divergênci­as no governismo explodiram após a morte de Chávez. Sem o carisma e a força dele, Maduro vem sofrendo ataques da oposição e de seu próprio campo.

Neste ano, dois importante­s assessores de Chávez, o militar Yoel Acosta Chirinos e o ex- ministro do Planejamen­to Jorge Giordani desautoriz­aram Maduro.

Em Caracas e arredores, é comum ouvir simpatizan­tes tradiciona­is do governo se queixando do presidente.

“Eu era chavista até a medula, mas este Maduro mesai pelo nariz”, diz o caminhonei­ro Juan Castro, 34. O frentista Edwin Rojas, 34, relata que sua vida vinha melhorando sob Chávez, mas que voltou a piorar. “O salário não dá para mais nada. Quemnão tem esquema para conseguir comida [ furando filas no mercado] está lascado.”

Ligado ao chavismo, o cientista politico Heiber Barreto, da Universida­de Simón Bolívar, vê risco de que a base militante governista passe a protestar nas ruas.

Pesa a favor do governo, diz, o fato de a oposição estar dilacerada e não ter estratégia para o próximo desafio, as eleições legislativ­as de 2015. “Há uma crise tanto no chavismo como no antichavis­mo. As duas bases estão descontent­es com seus líderes e não se sentem representa­das”, diz Barreto.

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