Folha de S.Paulo

O ‘ arrocho salarial’, cá e lá

- Rubens Ricupero, terça: Clóvis Rossi, quarta: Matias Spektor, quinta: Clóvis Rossi, sexta: Marcos Troyjo, sábado: Alexandre Vidal Porto, domingo: Clóvis Rossi C L Ó V I S R O S S I

Mas o relatório da OCDE ( íntegra em oecd. org) deixa claro que o abuso na austeridad­e, como o que se pratica na Europa, pode, sim, ter efeitos colaterais daninhos.

Stefano Scarpetta, diretor de Emprego da instituiçã­o, que é essencialm­ente liberal, diz que o prolongame­nto de congelamen­tos ou reduções salariais “pode ter repercussõ­es importante­s nos rendimento­s dos lares, acentuando assim as dificuldad­es econômicas” ( o que, de resto, é óbvio).

Diz Scarpetta que “novos ajustes salariais nos países mais afetados pela crise podem acabar sendo con-

Relatório do clubão de países ricos serve de alerta para o risco de adotar a austeridad­e como religião

traproduce­ntes e, sobretudo em um contexto de inflação próxima de zero, poderiam ter eficácia limitada na criação de emprego”. Podem ainda “acentuar o risco de pobreza” e “provocaria­m um círculo vicioso de deflação, queda do consumo e menos investimen­to”.

É o que diz, com menos palavras e clareza, a campanha de Dilma.

É preciso deixar claro, no entan- to, que a avaliação da OCDE é de uma economia, a europeia, que está estancada há anos, em que os juros são negativos e na qual há o risco iminente de deflação, ao passo que o Brasil cresce ( pouco, mas cresce), corre o perigo inverso, o de estourar a meta de inflação, e tem juros indecentes.

O diagnóstic­o de Scarpetta não se aplica automatica­mente ao Brasil, portanto. Mas vale como alerta para não tomar o ciclo econômico que se iniciará em 2015, mesmo que ganhe Dilma, com uma visão religiosa da ortodoxia/ austeridad­e.

Pisar no freio de maneira abrup- ta, violenta ou prolongada gera efeitos nocivos. Basta olhar para os números da OCDE: o desemprego nos países da zona euro é, na média, de 11,2% ( o dobro do patamar brasileiro). Os países que mais arrocharam salários ( Grécia, Espanha e Portugal) são exatamente os que mantêm mais elevados índices de desemprego, superiores à média de seus pares ( 26,7% na Grécia, 23,9% na Espanha e 14,7% em Portugal).

Detalhe: em nenhum deles, houve redução substancia­l da dívida pública, uma das principais razões para a adoção dos pacotes de austeridad­e ( e, no Brasil, para juros obscenos).

Terrorismo eleitoral à parte, o fundamenta­lismo de mercado, para usar expressão de George Soros, tende a ser mais problema que solução. crossi@ uol. com. br

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