Folha de S.Paulo

CIDADE TRAUMATIZA­DA

Rotherham, no Reino Unido, tenta se refazer de escândalo sexual que afetou 1.400 crianças; caso agrava tensão entre ingleses ligados à extrema direita e comunidade de descendent­es de paquistane­ses

- LEANDRO COLON ENVIADO ESPECIAL A ROTHERHAM

Ume scândalo de abuso sexual contra 1.400 crianças transformo­u uma pequena cidade inglesa no retrato do extremismo, num país que vive conflituos­a relação com a comunidade islâmica.

Terça- feira, 2 de setembro, foi o primeiro dia escolar em Rotherham depois das tradiciona­is férias de verão.

Nos arredores das escolas, o reservado comportame­nto britânico se misturava a um clima de tensão e constrangi­mento para a cidade, a 260 km de Londres.

Poucos querem conversa. Não à toa. Uma semana antes, a divulgação de minucioso relatório chocou seus moradores e todo o Reino Unido com detalhes sobre os abusos cometidos contra suas crianças entre 1997 e 2013.

As vítimas, em sua maioria garotas brancas, foram estupradas, traficadas, intimidada­s, obrigadas a consumir drogas e álcool, entre outras agressões.

A investigaç­ão foi conduzida por especialis­tas renomados do serviço social britânico, a pedido da prefeitura. Com base nos relatos das vítimas e denúncias coletadas ao longo dos anos, trecho da conclusão diz: “A maioria dos agressores era de origem paquistane­sa”.

Desde então, quem é de origem paquistane­sa busca a discrição pelas ruas do local. Temeser estigmatiz­ado. Aoutra parte da população prefere distância.

O Paquistão é ex- colônia britânica e sua comunidade representa apenas 3% da população de Rotherham, algo em torno de 8.000 pessoas. Há oito mesquitas na cidade.

O relatório afirma que as autoridade­s não investigar­am suspeitos para evitar acusações de racismo. Em 2010, cinco paquistane­ses haviam sido condenados por estupro.

Há dez dias, dezenas de membros da “Liga da Defesa Inglesa”, grupo de extrema direita que se declara contra os muçulmanos, acampam em frente à delegacia da polícia local. O discurso de intolerânc­ia se resume em uma bandeira: “Stop Muslim” ( parem os muçulmanos).

Abordado pela Folha, um dos seus líderes, David Millward, 49, de Manchester, não escondeu a islamofobi­a: “A culpa é deles [ muçulmanos] por esses ataques contra as crianças. O islamismo não é uma religião, é uma ideologia para destruir todos que não concordam com ela. Eles não querem se integrar aos nossos valores”.

Andrew Edge, 42, que vive em Rotherham, reforça: “Esses muçulmanos que nasceram aqui, filhos de paquistane­ses, não são ingleses nativos. Não podem viver aqui. O islã é um problema”.

A polícia, desprestig­iada diante das acusações de abuso sexual, assiste passivamen­te às manifestaç­ões. IRA PAQUISTANE­SA A poucas quadras dali, no “Rotherham Market”, lideranças da comunidade paquistane­sa batem um papo.

A reportagem pede para conversar sobre o escândalo dos abusos sexuais e pergunta como veem o relatório e as acusações dos direitista­s.

“Vão se foder esses caras. Eu ajudei a construir esse país. Meu pai lutou pela GrãBretanh­a na Segunda Guerra e foi prisioneir­o no Japão”, disse Abdul Qayum, 57, paquistanê­s que desde os 10 anos mora no Reino Unido.

Seus sete filhos nasceram em território britânico. “Não é correto culpar toda a comunidade por alguns casos de abuso”, afirmou.

Coube a Mohamed Seddi- qui, um senhor engravatad­o de 74 e respeitado na comunidade, um discurso mais conservado­r: “Claro que sou contra estupro, mas veja, aqui as escolas dão aula de educação sexual para meninos e meninas juntos. Isso não deveria ser permitido. E mais: aqui a lei não permite punir e bater nos filhos, que não respeitam os pais depois. Eu conheço a vida”, disse.

E continuou: “O relatório culpa os paquistane­ses por abusos nos últimos 15 anos. Por que não fizeram as denúncias na época? Só agora? Me diz: por quê?”.

 ?? Fotos Leandro Colon/ Folhapress ?? Membros da Liga da Defesa Inglesa acampados em frente à sede da polícia de Rotherham para protestar contra paquistane­ses
Fotos Leandro Colon/ Folhapress Membros da Liga da Defesa Inglesa acampados em frente à sede da polícia de Rotherham para protestar contra paquistane­ses

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