Folha de S.Paulo

VISÃO CAPITAL

Indústria de SP irradia mau humor, afirma Murilo Ferreira

- DAVID FRIEDLANDE­R RAQUEL LANDIM ENVIADOS AO RIO

O presidente da Vale, Murilo Ferreira, acha que o mau humor do empresaria­do com a presidente Dilma Rousseff está concentrad­o nos industriai­s de São Paulo e compara esse relacionam­ento pouco amistoso a um “Fla- Flu” — Flamengo X Fluminense, clássico do futebol carioca que virou sinônimo de rivalidade acirrada.

Na visão do executivo, a indústria paulista abriga setores defasados tecnologic­amente, que sentem mais os efeitos da crise global.

“Esse Fla- Flu é estimulado pela política rancorosa de São Paulo, do PT e do PSDB. É irradiado da Faria Lima [ endereço dos principais bancos de investimen­to do país]”.

Alinhado ao governo, que tem forte influência na Vale por meio do BNDES e de fundos de pensão estatais, Ferreira faz coro com assessores do Planalto, que enxergam má vontade nas críticas dos empresário­s de São Paulo.

Mineiro típico, que gosta de enfatizar seus hábitos simples e a falta de vaidade, o presidente da Vale costuma ser discreto em público. Desta vez, foi incisivo nas críticas, principalm­ente aos políticos. Diz que os brasileiro­s cansaram deles, estão impaciente­s com sua incapacida­de de entender seus problemas e não os respeitam mais.

Folha - O Brasil está crescendo pouco por falta de investimen­tos. Por que as empresas não investem?

Murilo Ferreira - Não concordo com essa afirmação. A Vale está fazendo o projeto mais intensivo em capital de sua história, em Carajás. São US$ 19,5 bilhões.

Os números da Vale são sempre superlativ­os. No geral, as empresas brasileira­s não estão investindo.

No Brasil, não prestamos atenção ao mercado internacio­nal. O cresciment­o mundial está muito abaixo do esperado. O problema se tornou mais agudo depois da crise europeia de 2011.

O México e o Chile vêm avançando menos. Até 2016, não haverá mais indústria automobilí­stica na Austrália. Mesmo na Ásia, só sinto um certo ânimo no Japão.

Vivemos um período muito diferente daquele em que a economia mundial crescia 4,4% e todos comiam o mamão com açúcar da globalizaç­ão. Agora chegou a vez das frutas amargas. No Brasil, as pessoas não querem enxergar isso por conta da disputa eleitoral.

O sr. acha que a disputa eleitoral aumenta o pessimismo?

Claramente. Graças a Deus ainda estamos quase no pleno emprego e não vemos, como em outros países, uma juventude desesperan­çada.

O agronegóci­o é show de bola e tem uma produtivid­ade superior à americana. Mineração e serviços são pontos fora da curva.

A amargura está concentrad­a no setor industrial. Lamento muito, mas é São Paulo que está pagando uma conta mais alta do que outros lugares do Brasil.

Masos empresário­s não reclamam da crise global. Eles dizem que a culpa é do governo.

Certamente eles são capazes de justificar suas queixas do governo e devem ter razão em muitos pontos. Mas existem alguns setores — não gostaria de polemizar citando um ou outro— em que falta tecnologia e inovação.

Temos que fazer uma análise rigorosa.

Será que o empresaria­do de São Paulo tem o mesmo entusiasmo do pessoal do cerrado? Será que a nova geração tem o mesmo entusiasmo para investir em tecnologia e inovação?

Quando chego ao Japão e à Coreia, fico preocupado porque se estabelece­u um gap

Vivemos um período diferente daquele em que o mundo crescia 4,4% e todos comiam o mamão com açúcar da globalizaç­ão. Chegou a vez das frutas amargas. No Brasil, as pessoas não querem ver isso por conta da disputa eleitoral

muito grande em relação ao Brasil.

Não sei se os empresário­s não se atualizara­m ou não estão motivados, mas essa é a realidade. Orelaciona­mento entre Dilma e o empresaria­do hoje é ruim. Se ela for reeleita, como refazer essa ponte?

Os dois lados precisam procurar o interesse do Brasil. Não podemos continuar esse Fla- Flu político, que é estimulado por São Paulo, de onde vemos partidos que disputam a eleição, PT e PSDB.

A política em São Paulo está muito rancorosa.

É importante restabelec­er as pontes para governar depois. Adversário­s têm ideias diferentes, mas não são inimigos. OPTdiz que o mercado financeiro faz terrorismo ao derrubar a Bolsa quando a presidente sobe nas pesquisas. O que o senhor acha?

De novo, isso é fruto da cultura política de São Paulo. Esse Fla- Flu permanente é irradiado da Faria Lima ( avenida da capital paulista onde estão os grandes bancos de investimen­to). Oque o sr. acha de Marina Silva? A suposta intransigê­ncia dela nas questões ambientais poderia atrapalhar os projetos de infraestru­tura?

Marina, Aécio ou Dilma — todos pensarão na nossa maior conquista, que é o pleno emprego. Nenhum deles será intransige­nte a ponto de elevar o desemprego. Quais deveriam ser as prioridade­s do próximo governo?

A reforma política é a mãe de todas as reformas. Não deveríamos ter mais do que três partidos: oposição, situação e um fiel da balança.

O sistema partidário brasileiro hoje torna impossível qualquer definição. Como negociar programa de governo com essa geleia política?

Todo mundofala das refor- mas tributária e previdenci­ária, mas será necessário um consenso que é impossível obter. Com 83% de aprovação, o presidente Lula não conseguiu fazer a reforma tributária. Queoutro presidente vai conseguir?

Naturalmen­te os políticos não têm interesse em mudar isso. Eles se sentem mais importante­s quando é preciso negociar um a um. Mas é preciso entender que a população está cansada. Como fazer a reforma política contra os interesses dos políticos?

A classe política precisa perceber que está chamando uma crise sobre si mesma. As pessoas estão impaciente­s com a incapacida­de dos políticos de entender sua insatisfaç­ão. E estão se tornando desrespeit­osas com a classe política. Cabe aos políticos fazer a sua opção: querem ou não esticar essa corda? Dos três candidatos mais bem colocados para a Presidênci­a, quem teria o melhor perfil para executar essa agenda?

A reforma política é algo que os três candidatos almejam, porque querem governar. Resta saber se haverá uma conjugação de estrelas nesse sentido. Vai chegar o momento em que as pessoas vão achar que não vale a pena esse sistema político. Como em junho de 2013. As manifestaç­ões foram um sinal desse descontent­amento com a política?

Foram um forte sinal de apodrecime­nto do sistema político. Vamos ver até quando vão ignorar esse sinal. Os economista­s projetam um ajuste duro em 2015, com alta de juros e cortes de gastos. É necessário?

Até na Alemanha essa receita está sendo revista. Não dá para achar que funciona tomar os mesmos remédios utilizados no passado. Uma receita clássica pode levar infelicida­de para os brasileiro­s. Não é preciso reajustar os preços da energia e da gasolina?

Não vou discutir situações individuai­s, mas não é preciso fazer nada para amanhã. Temos que ter prudência. Não adianta nos prender a modelos da década de 90, quando o índice de desemprego estava acima de 10%.

Que política econômica maravilhos­a é essa que só aumenta a disparidad­e?

Os políticos não podem trabalhar focados em PIB, inflação, deficit público ou câmbio. Os políticos devem trabalhar para que a população viva melhor.

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O presidente da Vale em sala de reunião na sede da empresa, no centro do Rio
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» COMMODITY Caneta “genérica” com logotipo da Vale, usada por Ferreira no dia a dia: “Não tenho luxos. Uso a caneta que estiver mais perto”
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