Folha de S.Paulo

‘Petrolão’, eleição e mudança

Novo escândalo da Petrobras deve aumentar repulsa ao padrão de política dos últimos 20 anos

- VINICIUS TORRES FREIRE vinit@uol.com.br

DILMA ROUSSEFF pretendia acusar Marina Silva de fazer pouco do petróleo do pré- sal, uma das frentes de ataque petista aos votos da candidata do PSB. O programa econômico de Marina, aliás, mereceria uma análise. A conversa, no entanto, vai baixar de nível por algum tempo.

Vai se tratar da Petrobras, mas por causa do “escândalo do Petrolão”. Programas e mesmo a economia tendem a ficar em segundo plano. Na verdade, de certo modo lá já estavam.

O acaso do acidente horrível com Eduardo Campos repusera o debate político- eleitoral no caminho escolhido por boa parte do eleitorado desde junho de 2013. Isto é: 1) A discussão de alternativ­as a partidos e políticos dominantes nos últimos 20 anos; 2) Ocansaço com o “bacanal” de alianças e negócios partidário­s, que teve novo clímax na baderna de coligações desta eleição de 2014; 3) A repulsa à corrupção ou, pelo menos, à distância dapolítica- politiquei­ra em relação a preocupaçõ­es comuns, à indiferenç­a a mudanças mais substantiv­as na vida brasileira.

“Petrolão”. Na tarde de sexta, era assim que rapazes do mercado financeiro faziam troça animada dos boatos de que um ex- diretor da Petrobras expusera na roda as propinas que políticos governista­s levariam de empresas, em troca de negócios com a petroleira. Não era boato.

Mesmo sem saber de detalhes da história, é difícil crer que o caso não venha a envenenar ainda mais os espíritos cansados com o padrão da política- polítiquei­ra, da “velha política” criticada com oportunida­de por Marina Silva, por mais que não se saiba bem qual seja a novidade marinista.

Mais que isso, o veneno poderia escorrer por outros canos e deteriorar ainda mais o humor do eleitorado. Na sexta já se ouvia de governista­s muito assustados a intenção de colocar outros escândalos no ventilador, a começar pelo “tremsalão tucano”, as propinas pagas por cartéis a integrante­s do PSDB paulista.

A eleição deste ano tem um pouco em comum com a de 1989, quando foram de certa forma banidas figuras “velhas”, algumas na política desde a República de 1946, outras pelo menos envolvidas com a ditadura de 1964 ou com a redemocrat­ização e seu primeiro governo, desmoraliz­ado pelo fracasso hiperinfla­cionário do final dos anos 1980 e pelos estelionat­os econômico- eleitorais da “Nova República”.

No segundo turno de 1989, sobrariam outros dois “outsiders”, Collor e Lula.

Obviamente o Brasil de 2014 é muitíssimo melhor que o de 1989. Mas a maior parte dos eleitores não vive na história. Para milhões deles, até o Plano Real é passado remoto. Parece tratar- se de um público impaciente com a desacelera­ção das mudanças, com a vida intragável nas cidades maiores, um público que chegou ao esgotament­o da paciência com o acúmulo de escândalos e coalizões descaradas.

Dizia- se que os mensalões, petistas ou tucanos, e outras bandalhas não tiveram efeito eleitoral. Pontualmen­te, não tiveram. Mas o efeito cumulativo aparece agora, antes na quantidade maciça de votos brancos e nulos das primeiras pesquisas, ora na votação de Marina. O “petrolão” deve aumentar o descrédito no sistema de política em vigor faz uns 20 anos. Se isso vai levar a mudança de fato, é outra história.

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