Folha de S.Paulo

Fulanizar antes do conteúdo

- SAMUEL PESSÔA

A PRESIDENTE Dilma sugeriu que em um segundo mandato trocará a equipe econômica. Parece que a motivação é acalmar o mercado, preocupado com a persistent­e piora dos fundamento­s econômicos nos últimos anos.

Trata- se de fulanizaçã­o da saída de um auxiliar antes que saibamos por que, exatamente, a troca será necessária.

O auxiliar em questão, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, participa do governo desde 2003. Foi ministro do Planejamen­to, presidente do BNDES e finalmente ministro da Fazenda. No período que ficou no BNDES não havia os vultosos aportes do Tesouro Nacional ao BNDES.

Qual exatamente é o conteúdo da saída do ministro? Algo saiu errado na política econômica? Afinal, a crise internacio­nal sem precedente­s não explica todos os nossos problemas? Ou, de fato, precisamos recuar da nova matriz econômica?

Um caso parecido ocorre com a candidatur­a de Marina Silva. Acandidata tem das mais belas biografias de quantas este país produziu. Tem carga simbólica que, provavelme­nte, na política brasileira, somente Lula tem.

Mas exatamente o que significa a nova política da candidata? Ela irá criar uma forma diferente de operar a política. O que seria esta nova política? Um governo cesarista ou ela vai melhorar a qualidade da gestão de nosso presidenci­alis- mo de coalizão, nos padrões que vigoraram ao longo do governo FHC?

Melhorar a gestão do presidenci­alismo de coalizão significa, como bem apontado em excelente artigo do cientista político Marcus Melo, construir a base de sustentaçã­o partidária com menor heterogene­idade ideológica e, portanto, construir um gabinete de ministros com maior proporcion­alidade entre a distribuiç­ão de cargos e responsabi­lidades administra­tivas e o peso de cada partido na base de sustentaçã­o do governo.

Quais são exatamente os motivos para a saída do ministro?; o que significa a nova política da candidata?

É a maneira de a gestão da política não se limitar ao varejão cotidiano.

Assim, antes que nós fulanizemo­s a saída do ministro ou a Presidênci­a da candidata, é importante que estes movimentos sejam dotados de conteúdo político e programáti­co.

Meu colega Mansueto Almeida contabiliz­ou algumas das medidas defendidas pelo programa da candidata Marina e obteve necessidad­e de aumento da carga tributária de pouco mais de 3% do PIB. Todas as medidas defendidas são meritórias e importante­s.

Iremos praticar mais uma rodada de elevação da carga tributária? Não tenho nada contra. Como já me pronunciei mais de uma vez neste espaço, considero que a decisão de elevação da carga tributária não é técnica. Mais ou menos impostos é algo que envolve escolhas que um profission­al de economia não foi preparado para fazer. Trata- se de decisão puramente política, sobre a qual cada um se pronuncia na capacidade de cidadão.

Certamente mais impostos é melhor do que inflação. Continuo a achar que somente guerra civil é menos civilizado do que a inflação como maneira de administra­rmos o conflito distributi­vo. Tributar de uns e transferir para outros de forma clara e transparen­te, como consequênc­ia de escolhas do Congresso, é a forma civilizada de gestão do conflito distributi­vo. Nunca demonizare­i o aumento da carga tributária.

A candidatur­a que defendo, do senador Aécio Neves, descende de um governo que esteve no poder por oito anos. Teve que fazer escolhas difíceis e se haver com a herança de uma década de hiperinfla­ção e de desmonte do Estado em razão das enormes dificuldad­es que a sociedade enfrentou no período anterior, de redemocrat­ização.

Dentro das circunstân­cias e dadas as heranças, avalio que fizemos o melhor possível inclusive na área social, como argumentei na coluna de 17 de agosto. Nosso fulano está repleto de conteúdo.

SAMUEL PESSÔA, formado em física e doutor em economia pela USP, é pesquisado­r do Instituto Brasileiro de Economia da FGV. Escreve aos domingos nesta coluna.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil