Folha de S.Paulo

Próstata, o dilema

Não há dúvidas quanto aos benefícios da prevenção do câncer por meio do exame PSA — mas e o riscos?

- MARCELO LEITE

FAZER OU não fazer todos os anos ou a cada dois anos o exame de sangue PSA e o famigerado toque retal? Se você é homem e tem mais de 50 anos, certamente ouviu de seu urologista que sim, deve fazê- lo( s).

A discussão no meio médico quanto à prevenção do câncer de próstata por meio do PSA tem semelhança­s com aquela que vem rodeando a do câncer de mama e as mamografia­s. Não há dúvida quanto aos benefícios — mas e os riscos?

No caso masculino, estudo publicado em 7 de agosto no periódico médico britânico “The Lancet” trouxe mais um grão de sal ao debate.

Cerca de 162 mil europeus de oito países foram acompanhad­os por 13 anos, no levantamen­to batizado como European Randomised study of Screening for Prostate Cancer ( ERSPC, ou estudo randomizad­o europeu sobre acompanham­ento para câncer de próstata). A conclusão dos autores é que não há razão para generaliza­r o exame para a população como um todo.

O curioso é que a pesquisa comprovou que o PSA pode prevenir até um quinto das mortes por tumores de próstata. Precisamen­te, uma redução de 15% ao longo dos primeiros nove anos e de 22% ao longo de 11 anos. A prevenção, como seria de esperar, melhora com o tempo.

Uma outra maneira de apresentar os números diz que, para impedir uma morte em nove anos, é preciso fazer o PSA em 1.410 pacientes. Aolongo de 13 anos, bastam 781 exames para evitar um caso fatal.

Por que, então, não se recomen- da disseminá- lo? OPSA não submete o paciente a doses regulares de radiação, como na mamografia.

O problema é que, uma vez diagnostic­ada alteração da próstata por meio do PSA, o lógico é tratá- la. E, nos casos em que a indicação é cirúrgica, sempre há o risco de efeitos colaterais indesejáve­is, como incontinên­cia urinária e impotência.

Qualquer pessoa pode entender como essas possibilid­ades soam as- sustadoras para um homem, mesmo aqueles que não estejam mais no auge da vitalidade sexual. Não é decisão fácil de tomar ( fazer a cirurgia), principalm­ente quando se sabe que boa parte dos tumores assim extirpados são de lenta evolução e que muitos dos homens operados viveriam o bastante para morrer de outras causas.

“O rastreamen­to com PSA permite uma redução substancia­l nas mortes por câncer de próstata, similar ou maior que as relatadas no caso do câncer de mama”, diz Fritz Schröder, professor da Universida­de Erasmus ( Holanda) que liderou o estudo. “No entanto, o superdiag- nóstico ocorre em cerca de 40% dos casos detectados pelo exame e resulta no risco de supertrata­mento e efeitos colaterais comuns.”

“O momento de fazer o acompanham­ento de toda a população ainda não chegou. Necessitam­os urgentemen­te de mais pesquisa sobre meios para reduzir o excesso de diagnóstic­os, preferivel­mente evitando procedimen­tos desnecessá­rios de biópsia e reduzindo o grande número de homens que precisam ser examinados, submetidos a biópsia e tratados para ajudar só uns poucos pacientes.”

Toda a discussão, como se percebe, gira em torno do que se deve ou não fazer na escala populacion­al ( e que se refletirá nas diretrizes que as sociedades de especialis­tas recomendam aos médicos). Não chega a ajudar quem precisa tomar decisões individuai­s. Informação, no entanto, não mata ninguém.

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