Folha de S.Paulo

Todo poder ao espectador

- M A U R I C I O S T Y C E R

pão) e à BBC ( Reino Unido), que já tinham adquirido os direitos.

Peço desculpas por ocupar este espaço comalgumas linhas sobre cinema, mas é interessan­te observar esta outra dimensão de um fenômeno que se pensa exclusivo da televisão.

A ideia de que o espectador não apenas assiste, mas também participa como ator- produtor do espetáculo que é a sua própria vida, se tornou nos últimos anos objeto das mais variadas experiênci­as.

Na corrida para se equiparar com a internet, a televisão tem se desdobrado ao propor ações “colaborati­vas” — frequentem­ente pagando o preço com vexames antológico­s.

Para se igualar à internet, TV propõe ações ‘ colaborati­vas’ que muitas vezes resultam em vexames antológico­s

Transmissõ­es de Carnaval ou futebol, por exemplo, nas quais o espectador é convidado a enviar um vídeo para a emissora, se tornaram campeões de piada e constrangi­mentos. O “amigo internauta” que manda perguntas para Galvão Bueno virou um personagem folclórico dentro e fora da televisão.

Igualmente, a ideia de reproduzir na tela da TV mensagens postadas por espectador­es nas redes so- ciais tem se revelado um atentado à credibilid­ade. Normalment­e, apenas elogios aparecem, dando uma ideia totalmente equivocada da diversidad­e que ocorre no Twitter e no Facebook durante a exibição de determinad­os programas.

Isso sem falar da infinidade de programas que exibem quadros ou atrações baseados em vídeos do YouTube. São sempre apresentad­os como “a última novidade”, fingindo ignorar que até a avó do produtor já viu o vídeo no computador do neto, quando não no seu próprio laptop.

Há, é verdade, iniciativa­s bem- intenciona­das, comooproje­to “Parceiros do SPTV”, colocado em prática pelo noticiário local da Globo ( também há uma versão no “RJTV”). A emissora selecionou, depois treinou e equipou 16 jovens de diferentes partes da cidade para produzir relatos jornalísti­cos de suas comunidade­s.

Reportagen­s de qualidade têm sido feitas, seja denunciand­o mazelas, seja enaltecend­o boas práticas, mas não deixa de passar a impressão, sempre, dequeoproj­etocumprem­ais umafunção de marketing do que jornalísti­ca, propriamen­te. Fosse, de fato, essencial, seria incorporad­o ao noticiário e não apareceria apenas como uma iniciativa temporária.

Este esforço da TV ( e do cinema) em buscar cumplicida­de com o espectador é legítimo e expressa um evidente incômodo. A esta altura, talvez não haja outra solução, a não ser correr atrás de quem está produzindo conteúdo por conta própria. mauriciost­ycer@ uol. com. br

@ mauriciost­ycer

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