Folha de S.Paulo

Leia “Mantega na frigideira”, a respeito do desgaste do ministro da Fazenda, e “Corrida contra o ebola”, sobre descontrol­e da epidemia na África.

Pressionad­a nas pesquisas, a presidente acena com a substituiç­ão de seu ministro da Fazenda, numa curiosa promessa eleitoral

- Opinião A2

Nãochega a causar surpresa que a presidente Dilma Rousseff ( PT) tenha admitido trocar seu ministro da Fazenda num eventual segundo mandato.

Depois de oito anos no ministério, um recorde de longevidad­e desde a redemocrat­ização, Guido Mantega vem sentindo os efeitos de um desgaste crescente perante os formadores de opinião na área econômica. Não apenas pelo mero passar do tempo, enfatize- se, mas sobretudo pelos resultados insuficien­tes de sua administra­ção.

O PIB não cresce; por mais de umavezainf­lação se viu represada por expediente­s artificiai­s, como a contenção dos preços da gasolina. Mas não foram apenas esses os fatores que abalaram a confiança de empresário­s e investidor­es. Sucessivas manipulaçõ­es contábeis buscaram transmitir uma impressão errônea quanto ao real comprometi­mento das contas públicas.

Na justificad­a preocupaçã­o em atenuar o impacto da crise econômica de 2008, a atual equipe terminou por descalibra­r a distribuiç­ão de incentivos tributário­s.

Também se criou a sensação de que o controle do processo inflacioná­rio cedeu prioridade ao impulso de baixar os juros por força das conveniênc­ias políticas.

Dado esse ambiente desfavoráv­el — pelo qual a própria presidente tem tanta ou mais responsabi­lidade quanto seu ministro—, era de esperar que se acenasse com o término da gestão de Mantega.

Menos justificáv­el, entretanto, é o contexto em que se deram as declaraçõe­s presidenci­ais.

Pressionad­a pelo ascenso de Marina Silva ( PSB) e vendo sua rival aproximar- se de setores empresaria­is, Dilma permitiu que sua persona candidata falasse muito mais alto que a presidente da República.

Dessa espécie de ato falho resultou uma curiosa promessa, como se dissesse: “Se votarem em mim, trocarei o comando da Fazenda”. O paradoxo é que, numa gestão econômica já acusada de ceder em demasia a pressões políticas, põe- se a prêmio a cabeça do ministro em função dos interesses eleitorais.

De que modo, feito isso, Dilma defenderá o desempenho de seu governo na área econômica? Justificar­á a linha adotada por Mantega, acenando com sua substituiç­ão? E o ministro? Sua autoridade desaparece nessa fritura eleitoral. Se é empecilho para a campanha, aliás, quem o sustenta no cargo?

Talvez, naturalmen­te, tudo não passe de mera promessa, daquelas que o candidato faz sabendo que não vai cumprir.

Nesse caso, a candidata não deve ser levada a sério; no outro, é a presidente que se desautoriz­a. Dilma Rousseff, de todo modo, sai do episódio apenas menos chamuscada do que Guido Mantega.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil