Folha de S.Paulo

Maturidade em falta

- ROSELY SAYÃO COLUNISTAS DESTA SEMANA segunda: Leão Serva; terça: Rosely Sayão; quarta: Francisco Daudt; quinta: Pasquale Cipro Neto; sexta: Tati Bernardi; sábado: Oscar Vilhena Vieira; domingo: Antonio Prata

O ENEM passou, os vestibular­es passarão e muitos pais irão respirar aliviados. Muitos deles mal sabem que um caminho bem mais tortuoso que o anterior poderá começar.

A título de ilustração, vamos ver o exemplo de Cláudia, que sempre foi uma excelente aluna: estudiosa, comprometi­da, nunca deu trabalho aos pais. Almejava cursar uma graduação em uma universida­de concorrida e se empenhou muito para tanto. Entrou de primeira. No primeiro mês de aulas ficou muito animada, mas logo em seguida passou a duvidar da escolha feita. Antes de finalizar o primeiro semestre, desistiu do curso e voltou a fazer cursinho. Hoje, já está em seu terceiro curso universitá­rio e continua insatisfei­ta. Seus pais não sabem o que fazer.

Paulo nunca se compromete­u muito com os estudos. Levou a escola sempre no limite: repetiu o primeiro ano do ensino médio e só terminou essa etapa escolar graças ao empenho de seus pais na contrataçã­o de professore­s particular­es. Não queria fazer faculdade. Seus pais insistiram, e prestou um vestibular só para ver como era. Passou. Dizia aos pais que estava cursando, mas nem aparecia na universida­de. Hoje, passa o tempo convivendo com os amigos e indo a baladas. Seus pais se sentem reféns da situação.

Esses dois jovens, que representa­m muitos outros, têm em comum uma família em boa situação socioeconô­mica e pais que, apesar de não concordare­m com a vida que os filhos levam, não encontrara­m ainda uma maneira de agir principalm­ente porque os filhos se dizem adultos e rejeitam a interferên­cia dos pais.

O que é ser adulto, afinal? Ter mais de 18, 21 anos? Não! Ser adulto é ter maturidade, fazer as próprias escolhas na vida e arcar com elas. Esses jovens citados hesitam ao fazer suas escolhas e não arcam com a própria vida: seus pais é que fazem isso. São adolescent­es, independen­temente da idade. Permanecem sob a tutela econômica dos pais, que não têm coragem de retirá-la.

Jovens que levam esse tipo de vida precisam ainda de seus pais: estes, precisam dar um empurrão no filho para precipitá-lo na maturidade. E, para tanto, eles precisam sentir necessidad­e disso.

Você já se deu conta, caro leitor, de que criamos os filhos hoje sempre a evitar que eles sintam necessidad­es? Estamos quase sempre a nos antecipar às necessidad­es deles: antes que eles queiram, queremos por eles e damos a eles.

Isso faz com que eles tenham uma visão bem equivocada da vida: acreditam que não precisam batalhar para viver, que outros farão isso por eles. E esses outros são seus pais, não é verdade?

Uma garota de 22 anos, que vive uma situação semelhante à dos exemplos citados anteriorme­nte, foi interpelad­a pelos pais sobre como viveria quando eles não estivessem mais presentes. A resposta dela assustou seus pais: “Vou viver da herança que vocês me deixarem”.

A situação é mais preocupant­e do que muitos pais imaginam. Muitos jovens vivem às custas de seus pais. Já outros vivem por seus pais —há poucos dias, um deles me disse: “Eu preciso ir bem no Enem, não posso decepciona­r meus pais”.

Perguntei se ele queria, tanto quanto seus pais, fazer a faculdade, e a resposta que ele deu foi: “Não sei, nunca parei para pensar nisso.”

Precisamos ajudá-los a crescer, não precisamos?

O que é ser adulto? Ter mais de 18, 21 anos? Não! É ter maturidade, arcar com as próprias escolhas na vida

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