Marco do cinema brasileiro, ‘Limite’ não gerou linhagem
Filme mudo foi tachado de ‘burguês’ pela ‘intelligentsia’ do cinema novo
Obra de 1931 é a única produção nacional restaurada pela Film Foundation, entidade criada por Scorsese
É um paradoxo: “Limite” (1931), frequentemente apontado como o filme mais importante do cinema brasileiro, é uma obra sem linhagem.
O longa que Mário Peixoto (1908-92) rodou aos 22 anos criou furor na época de seu lançamento, teve a cópia deteriorada por volta dos anos 1950, sumiu, foi tachado de filme burguês pela “intelligentsia” do cinema novo e só voltou a lume nos últimos anos.
A Cinemateca exibe nesta quarta (28) cópia restaurada do filme, na programação da Mostra de Cinema de SP.
Narrado em flashbacks, “Limite” aborda a história pregressa de três pessoas angustiadas que se encontram num barco à deriva. Peixoto costumava dizer que o filme nasceu de uma revolta contra seu pai, sem dar detalhes.
Dessa revolta resultou uma obra que flerta com a tradição do expressionismo alemão de F. W. Murnau (“Nosferatu”), mas que não deixou muitos herdeiros no Brasil.
“Cacá Diegues diz que, se ‘Limite’ não tivesse sumido por tanto tempo, talvez o cinema brasileiro tivesse tomado outro rumo”, afirma o diretor Joel Pizzini, que conheceu Mário Peixoto. “É um contraponto ao cinema narrativo: é um filme de poesia.”
Pizzini prepara o roteiro de um longa, “Mundéu”, ficção inspirada no universo de “Limite”. Seu curta anterior, “Mar de Fogo”, única produção brasileira no Festival de Berlim deste ano, já dialogava com o filme de Peixoto —e será exibido na mesma sessão, na Cinemateca.
A produção de Mário Peixoto é também a única obra brasileira restaurada pela Film Foundation, entidade capitaneada por Martin Scorsese.
“É surpreendentemente madura e provocante”, disse Scorsese à Folha. “[É] tecnicamente inovador, de um expressionismo cheio de imaginação.” (GUILHERME GENESTRETI)