Sistema surtado
RIO DE JANEIRO - Bárbara Oliveira de Souza, 35, já estava grávida de uma menina quando, em abril passado, foi presa fumando crack sentada numa calçada no Jacaré, notório ponto de concentração de viciados na zona norte do Rio.
Segundo os PMs que a levaram, carregava em sua bolsa 97 papelotes da droga, além de R$ 300 —ou seja, seria uma inusitada mistura de usuária e traficante. Processada por tráfico, foi presa preventivamente.
Quando estava na 41ª semana de gestação, sob risco de parir a qualquer momento, foi colocada em isolamento por “comportamento agressivo”. Segundo a administração penitenciária, tinha crises de abstinência de drogas.
Na manhã do último dia 11, Bárbara entrou em trabalho de parto e gritou em vão por ajuda, assim como as detentas das celas vizinhas. Quando as carcereiras apareceram, já havia dado à luz.
Foi levada a um hospital com sua filha no colo, o cordão umbilical pendurado. Três dias depois, voltou à solitária, porque estaria “surtada”. O bebê foi enviado a um abrigo.
“Isso é de uma indignidade humana inaceitável nos dias de hoje”, escreveu o juiz Eduardo Oberg, que decidiu afastar provisoriamente a diretora do presídio.
Casos como o de Bárbara são recorrentes. A Defensoria Pública vem tentando garantir atendimento médico regular às presas, mas o Judiciário fluminense negou o pedido em primeira instância, argumentando que ele representaria a criação de um “privilégio constitucional”.
“A preservação da saúde da mulher e de seus filhos é um dever do Estado e um dos direitos fundamentais do mundo civilizado”, lembra a defensoria, em nota.
Mas é difícil defender a civilidade num país em que, como mostrou recente pesquisa do Datafolha, metade da população concorda que “bandido bom é bandido morto”.
MATIAS SPEKTOR