Folha de S.Paulo

Será preciso mexer em vacas sagradas do PT e de Dilma

PARA EX-BNDES, CORTES EM PROGRAMAS CAROS AO GOVERNO TERÃO DE ACONTECER E ‘HISTERIA COLETIVA’ NOS MERCADOS TERMINOU

- GIULIANA VALLONE

DE SÃO PAULO

O deficit primário de 0,9% do PIB (Produto Interno Bruto) previsto pelo governo para este ano é esperado dentro do cenário econômico atual e não prejudica a classifica­ção de risco do Brasil no curto prazo, afirma o ex-presidente do BNDES Luiz Carlos Mendonça de Barros.

Para ele, o medo de um colapso econômico entre os agentes do mercado diminuiu. “Passamos de uma histeria coletiva para uma situação de quase normalidad­e”, afirma. A calmaria só se sustentará, no entanto, se o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, tiver estabilida­de no cargo para continuar com as medidas de ajuste fiscal, diz.

Ainda assim, o atual governo não terá força política para promover reformas estruturai­s mais profundas. Folha - O governo anunciou na terça (27) uma projeção de deficit primário de 0,9% do PIB [Produto Interno Bruto] neste ano. Quais as implicaçõe­s da nova meta e como fica o ajuste fiscal no longo prazo?

Luiz Carlos Mendonça de Barros - Eu tenho uma visão um pouco diferente em relação à questão fiscal neste ano, por uma razão muito simples: você tem uma queda de 3% do PIB e, portanto, tem uma queda expressiva na arrecadaçã­o do governo. É uma situação normal quando se parte para um ajuste como o que está sendo feito na economia brasileira.

Estamos passando por um ajuste recessivo, cujo objetivo central é a redução da demanda privada no país. Ora, quando isso acontece, é normal que haja queda de arrecadaçã­o. Num país como o nosso, em que 90% das despesas do governo são fixas no curto prazo, sem mudanças estruturai­s, o resultado final é um deficit dessa ordem.

O que torna essa questão mais quente do ponto de vista da discussão é que o governo cometeu um erro sério, grave, no início do ano, que foi se compromete­r com um superavit primário impossível de ser atingido numa situação de recessão. E, à medida que essa recessão foi se consolidan­do —e ainda mostrando que é mais forte do que se previa inicialmen­te—, você passou de uma situação de superavit primário para deficit primário simplesmen­te por um erro de avaliação.

Estamos passando por um ciclo de redução de atividade provocado pelo próprio governo, por meio de duas ações: as decisões do Banco Central de subir os juros e de acabar com a farra do boi do crédito dos bancos públicos. Então, o deficit é natural dada a política econômica atual. E essa política, de redução da demanda, está absolutame­nte correta do ponto de vista da teoria econômica. O Brasil viveu um período de excesso de crédito e de consumo que provocou uma série de desequilíb­rios, que agora estão sendo corrigidos. Mas vai haver aumento da relação dívida/PIB.

Sim, a dívida do governo vai aumentar. Só que o importante agora é um compromiss­o com o ano que vem, 2017 e 2018, de reverter essa situação. E é preciso considerar esse aumento de dívida como uma circunstân­cia da mudança de politica econômica. Em 2009, o deficit público nos Estados Unidos chegou a 10% do PIB, todos achavam que era o fim do mundo e não foi. O deficit americano em 2015 vai ser o menor dos últimos dez anos. O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, tem dito que, feito o ajuste, a economia volta a crescer em seguida. O senhor concorda?

Esse é o ciclo normal da economia de mercado. Você teve um ciclo expansioni­sta que passou do limite, e não há outro tratamento senão a redução brusca de consumo e do investimen­to. E isso já está começando a dar alguns sinais positivos. O mais claro e mais forte deles é o resultado das contas externas.

É evidente que o ajuste tem se dado mais pela queda das importaçõe­s do que pelo aumento das exportaçõe­s, mas é assim que é a vida. O primeiro período de um ajuste desse tipo nas contas correntes é a queda nas importaçõe­s.

Agora, com a atual taxa de câmbio, a indústria brasileira voltou a ser competitiv­a e já há sinais de que as exportaçõe­s estão começando a se recuperar. O que está ocorrendo, para mim, está no script de uma política econômica correta para os problemas brasileiro­s hoje. Estancada a sangria, o governo diz que deve cortar despesas nos próximos anos. É possível fazer isso no Brasil, com tantas despesas em que não se pode mexer?

É possível, mas vai ter que mexer em vacas sagradas do governo do PT e da Dilma. É preciso ter uma posição mais radical com uma série de programas do governo que até agora estão sendo preservado­s.

Agora, outra questão importante é que, pela primeira vez em muito tempo, a situação fiscal virou assunto de discussão nacional. Essa é a primeira etapa para permitir que se faça um trabalho de longo prazo e estrutural nas despesas do governo. A expectativ­a de que 2016 seria o ano da recuperaçã­o vem sendo, aos poucos, substituíd­a pela ideia de, melhora mesmo, só em 2017. O próximo ano também será ruim?

Ah sim, porque esse ajuste leva tempo. No último trimestre de 2016, a situação vai estar melhor do que na média do ano. Você vai ter uma recuperaçã­o da indústria, que representa 10% do PIB, com a recuperaçã­o importante das exportaçõe­s. Se você soma isso aos 5% do PIB do agronegóci­o, já começa a ter recuperaçã­o.

Além disso, a redução de crédito e o aumento de juros estão levando os consumidor­es a fazer uma revisão grande de seus gastos, e vamos ter um consumidor muito mais equilibrad­o financeira­mente no ano que vem —e, portanto, com condições de recuperar o consumo.

O que estamos vivendo é um ciclo absolutame­nte tradiciona­l de ajuste, que aconteceu no mundo todo e está ocorrendo em outros países. Por isso, me chama a atenção esse excesso de nervosismo em relação a um comportame­nto que está nos livros de teoria econômica.

De certa maneira, isso se explica pelo fato de que você tem várias gerações hoje no mercado que nunca viveram uma crise como essa. E o governo cometeu um erro terrível, quando ficou claro que era necessária uma correção do lado da demanda, porque procurou manter aquele período [de cresciment­o] ainda vivo. E então a queda no vazio foi muito pior. Tanto é verdade que isso está refletido nas pesquisas de apoio à presidente, que têm queda até maior do que a registrada pela atividade econômica.

Mas, se o governo andar adequadame­nte, como é o sinal nesses últimos meses, e continuar esse trabalho pelo resto do mandato, nós estaremos saindo dessa crise em um ano, um ano e meio. Como o sr. avalia as chances de um impeachmen­t hoje?

Aparenteme­nte,essenegóci­o de impeachmen­t foi jogado para a frente. Porque o fiel da balança, que é o PMDB, se convenceu de que assumir o governo agora, no meio dessa crise, vai ser um desgaste muito grande. Então, não há interesse imediato em fazer isso. E não há ainda nenhum sinal claro, gritante, de que se tenha condições de levar à frente um impeachmen­t da presidente. Qual a participaç­ão do Congresso na crise?

Assim como entramos em cúmulo-nimbo [nuvem associada a tempestade­s e instabilid­ade atmosféric­a] da economia, nós entramos num cúmulo-nimbo da política, porque 14 anos de bem-estar correspond­em a 14 anos de hegemonia política muito forte do PT. E, de repente, você tem um vácuo no Congresso: essa hegemonia não existe mais, todo o mundo sabe que a possibilid­ade de recuperaçã­o é muito pequena e que uma nova hegemonia deve aparecer pela frente, só que ela ainda não está construída.

Esse é outro ponto de muita inseguranç­aequevaipr­ecisar de tempo. Da mesma maneira que será preciso reconstrui­r o equilíbrio econômico, teremos de reconstrui­r uma nova hegemonia política, que não é a centrada no PT. O dólar deixou de subir tanto, e os investidor­es têm olhado bastante para o cenário externo. Os ânimos se acalmaram com relação à economia brasileira?

Acho que nós passamos de uma histeria coletiva em relação a tudo para uma situação de quase normalidad­e. O medo de um colapso diminuiu. A situação ainda é muito insegura, mas há sinais positivos, como os ex-ministros da Fazenda Luiz Carlos Bresser-Pereira [Sarney] e Guido Mantega [Lula e Dilma] dando apoio ao Joaquim Levy, espaço para ele respirar. O Brasil corre o risco de ser rebaixado novamente pelas agências de classifica­ção de risco por causa do deficit em 2015?

Não é o caso agora. As agências já definiram o cenário que vão olhar, reduziram a nota e disseram que estão de olho muito mais em 2016 e 2017, vendo qual vai ser a posição do governo na parte fiscal, antes de tomar uma decisão final. Portanto, a estabilida­de do ministro Levy no cargo ajuda a reduzir o nervosismo com o grau de investimen­to.

Assim como entramos em cúmulo-nimbo [nuvem associada a tempestade­s e instabilid­ade atmosféric­a] da economia, nós entramos num cúmulo-nimbo da política, porque 14 anos de bem-estar correspond­em a 14 anos de hegemonia política muito forte do PT. E, de repente, você tem um vácuo no Congresso: essa hegemonia não existe mais “

[O deficit primário em 2015 ] É uma situação normal quando se parte para um ajuste como o que está sendo feito na economia brasileira. O que torna essa questão mais quente do ponto de vista da discussão é que o governo cometeu um erro sério, grave, no início do ano, que foi se compromete­r com um superavit primário impossível de ser atingido numa situação de recessão

Se perder de novo o grau de investimen­to, quais as consequênc­ias para o país?

Atrapalha, sem dúvida. Até porque houve tanta dificuldad­e para ganhar o grau de investimen­to, e a perda dele é uma coisa real e tem que ser evitada a qualquer tempo. E só será evitada se o ministro for prestigiad­o e conseguir pouco a pouco, sem nenhuma mágica, mostrar que, pelo menos, o sinal do Orçamento mudou. E aí é uma questão de tempo e força política —que esse governo não tem, isso vai estar depender do próximo— para buscar as medidas necessária­s no longo prazo.

 ?? Karime Xavier - 27.set.13/Folhapress ?? O expresiden­te do BNDES Luiz Carlos Mendonça de Barros, em São Paulo
Karime Xavier - 27.set.13/Folhapress O expresiden­te do BNDES Luiz Carlos Mendonça de Barros, em São Paulo

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