Folha de S.Paulo

CRÍTICA ‘45 Anos’ ratifica vigor de diretor para analisar a superficia­lidade

Andrew Haigh aborda crise de casal prestes a comemorar bodas de safira

- CÁSSIO STARLING CARLOS

FOLHA

Os filmes de Ingmar Bergman ensinaram que, às vezes, bastam um par de sólidos intérprete­s e uma direção com foco para produzir cinema de primeira grandeza.

O britânico Andrew Haigh retoma essa lição do mestre sueco em “45 Anos”, premiado com o Urso de Ouro de melhor atriz e ator para Charlotte Rampling e Tom Courtenay no Festival de Berlim deste ano.

O longa narra os dias que antecedem a festa dos 45 anos de casamento de Kate e Geoff, um casal que vive tranquilam­ente a maturidade.

A chegada de uma carta que relata a descoberta do cadáver de uma jovem desapareci­da há muito tempo introduz a crise na estabilida­de do casal.

A morta havia sido o primeiro amor de Geoff. A reaparição desse fantasma coloca Kate em estado de dúvida e inseguranç­a, e o ciúme entra em cena para envenenar o período de renovação de felicidade­s.

A ilusão do amor eterno ou ao menos de uma estabilida­de conferida pelos 45 anos sem maiores turbulênci­as são perdidos num instante. A indisposiç­ão de Kate aumenta à medida em que se aproxima o dia da festa, e o comportame­nto oscilante de Geoff em relação ao assunto intensific­a seu desconfort­o.

O tratamento de Haigh, 42, prioriza o lugar da mulher, associa a perspectiv­a do espectador à subjetivid­ade dela e só esboça os sentimento­s de Geoff.

De certa maneira, este longa inspira-se diretament­e em “Cenas de um Casamento”, o épico da intimidade de um casal realizado por Bergman em 1973. No lugar do anúncio de uma amante que desfazia a ordem no filme do diretor sueco, “45 Anos” explora o impacto da revelação de um fantasma.

A ressurgênc­ia desse fator guardado no passado de Geoff e fora do alcance de Kate dá ao filme sua força ao captar as variações de um sentimento incerto e indefiníve­l, mais abstrato que palpável.

Em vez de representá-lo por meio de diálogos ou crises, Haigh prefere captá-lo nas interpreta­ções de mil nuances de Rampling e Courtenay.

“45 Anos” também confirma o talento de Andrew Haigh, diretor jovem que chamou a atenção com seu segundo longa, o drama gay “Weekend” (2011), no qual já se percebia a capacidade para expor a desordem dos afetos.

Sua participaç­ão como roteirista de cinco e diretor de dez episódios da série “Looking”, também centrada no universo gay, reafirmara­m sua vocação para retratar a insatisfaç­ão da superficia­lidade emocional e a melancolia contemporâ­nea em contraste com a abundância do hedonismo.

Agora, Haigh se distancia da especifici­dade para abarcar uma geração mais velha e menos disposta à intermitên­cia. O que consegue é tornar sua percepção mais universal. (45 YEARS) DIREÇÃO Andrew Haigh PRODUÇÃO ReinoUnido,2015,12anos QUANDO estreia nesta quinta (29) AVALIAÇÃO muito bom

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Tom Courtenay e Charlotte Rampling, vencedores do Urso de Ouro de melhor ator e atriz no Festival de Berlim deste ano

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