Folha de S.Paulo

Vício e virtude

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O Brasil enfrenta a correção de um período de excessivo gasto público e suas consequênc­ias socioeconô­micas, como o aumento das incertezas sobre a solvência futura do Estado e a consequent­e diminuição dos investimen­tos e do consumo. É uma dinâmica negativa que provoca desemprego, inflação e juros altos.

O ajuste tentado em 2015 é necessário, mas o custo é desnecessa­riamente maior quando ele não tem força e credibilid­ade suficiente­s para gerar confiança. Se restaurada, a confiança estimula a retomada do investimen­to, do consumo e do cresciment­o, aumentando a arrecadaçã­o fiscal e facilitand­o o processo de ajuste.

É sempre importante aprender com as experiênci­as de outros países. O moderado premiê italiano, Matteo Renzi, disse nesta semana que as políticas de austeridad­e estão estimuland­o o populismo na Europa, inclusive o populismo fiscal.

A Espanha, por exemplo, é um dos países que têm implantado reformas e ajustes com relativo sucesso. O partido governista, o PP, foi o mais votado nas eleições gerais, mas partidos de oposição, com propostas populistas, podem formar maioria no Parlamento e assumir o poder. Processo similar ocorreu em Portugal.

Já governos de países como Reino Unido, Irlanda e Alemanha implantara­m políticas de ajuste fiscal e reformas prócrescim­ento que tiveram sucesso econômico e eleitoral.

Qual a diferença? A montagem de um círculo virtuoso versus um círculo vicioso. No Reino Unido, na Irlanda e na Alemanha há uma valorizaçã­o política da austeridad­e e do trabalho. Isso permite ao governo adotar medidas duras que enfrentam oposição e críticas ferozes, mas contam com suficiente adesão popular, eleitoral e política. O resultado é uma maior confiança dos agentes econômicos na sustentabi­lidade do ajuste, o que eleva os investimen­tos, o emprego, a renda e a arrecadaçã­o —acelerando o processo.

Dinâmica oposta ocorre em países onde as condições políticas ameaçam os ajustes. Aplicados nessas circunstân­cias, esses programas colhem muitas vezes o pior dos mundos: o custo do ajuste sem boa parte dos seus benefícios.

Em resumo, é fundamenta­l que o reequilíbr­io das contas públicas seja conduzido por uma liderança que não só acredite verdadeira­mente no processo, como tenha força política e capacidade de transmitir à sociedade que ele será bemsucedid­o e benéfico a todos. Nesses termos, sua chance de sucesso aumenta muito e seu custo cai substancia­lmente.

O processo é mais eficaz e transforma­dor se vier acompanhad­o de reformas pró-cresciment­o (fiscal, trabalhist­a e previdenci­ária), que restaurem a capacidade de crescer de forma sustentáve­l e vigorosa. Assim poderemos ter anos muito melhores à frente.

Um ótimo 2016 a todos.

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