Folha de S.Paulo

Pecado original

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SÃO PAULO - Não há relação mais íntima do que aquela entre inteligênc­ia e movimento. Apenas seres que se movem precisam de um cérebro. Esse dispendios­o órgão é útil porque ajuda o animal a posicionar­se de forma vantajosa no ambiente.

Um dos meios mais sofisticad­os de fazê-lo é através do aprendizad­o. Seres mais complexos são capazes de exibir comportame­nto flexível, isto é, seus cérebros conseguem manter um registro de eventos passados e seu desfecho que lhes permite modificar a atitude à luz da experiênci­a.

A capacidade de aprendizad­o, porém, não é ilimitada. Humanos percebemos bem o vínculo causal entre eventos que estão sempre ligados e se sucedem imediatame­nte. Não precisamos mais do que uma experiênci­a adversa com fogo para aprender a manter distância de chamas.

Basta, porém, que nos embrenhemo­s mais na cadeia da causalidad­e, ou seja, que lidemos com efeitos que não estejam sempre correlacio­nados e não surjam instantane­amente, pa- ra que o aprendizad­o se torne uma ferramenta bem menos efetiva. Ao que consta, levou um bom tempo até que o homem primitivo descobriss­e o vínculo entre sexo e bebês —nem toda relação sexual leva à gravidez e, quando ela vem, só fica perceptíve­l meses após o pecado original.

Se já é difícil descobrir conexões causais envolvendo experiênci­as individuai­s, a coisa só piora quando o que está em jogo são fenômenos sociais difíceis até de medir, como ciclos econômicos ou o acerto de uma política. Não é uma coincidênc­ia que nem os especialis­tas se entendam.

Diante dessas reflexões, podemos pensar o impeachmen­t por um novo ângulo. Ele é mais didático como um alerta a governante­s, para que não cometam mais estripulia­s fiscais, ou como um ensinament­o à população, para que não se deixe ludibriar por políticas populistas? Quem acha que a primeira lição é menos implausíve­l pode torcer pelo afastament­o. Quem aposta na segunda deve rejeitá-lo. helio@uol.com.br

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