Folha de S.Paulo

Promessa ignorada

O governo Dilma Rousseff precisa admitir que, mesmo reconhecen­do o momento de fragilidad­e vivido, reduzir a violência não é tema menor

- JULITA LEMGRUBER

Em dezembro de 2014, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, mobilizou todos os secretário­s e diretores do ministério e convidou um grupo de especialis­tas para começar a, em conjunto, discutir a viabilidad­e de um pacto nacional de redução de homicídios.

Dilma Rousseff acabara de ser reeleita. Tudo indicava que havia favorável clima político para se enfrentar a urgência de o governo federal liderar a reversão da vergonhosa taxa de homicídios do país.

Afinal de contas, os 12 anos de governo do PT contribuír­am para reduzir de forma significat­iva os níveis de desigualda­de. Milhões de brasileiro­s ultrapassa­ram a linha da pobreza extrema. Poder-se-ia até questionar a falta de investimen­tos em educação básica ou na saúde, mas algumas conquistas eram inegáveis.

O Brasil, porém, continuava a ser o campeão mundial de homicídios, com 56 mil mortes anuais, e o governo federal precisava propor medidas emergencia­is para provocar governador­es e prefeitos a rever políticas de repressão e prevenção da criminalid­ade violenta no país.

Para começar, seria preciso propor um pacto nacional de redução de homicídios em torno do qual houvesse um compromiss­o claro e inequívoco de diferentes instâncias e poderes. Para tanto, precisaria ser uma prioridade política da União.

Pois bem, ao longo do primeiro semestre deste ano, esse grupo de especialis­tas convidados pelo ministro da Justiça trabalhou junto com profission­ais do governo federal no desenho de um projeto ambicioso e, mais do que isso, emergencia­l. Energias foram mobilizada­s e diálogos iniciados.

Em junho de 2015, no encontro anual do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, no Rio, Cardozo apresentou, para frustração dos profission­ais que estiveram envolvidos no projeto, linhas muito gerais da proposta, sem na verdade explicar para o público ou para a mídia o que, de fato, seria o tal pacto nacional de redução de homicídios.

A surpresa foi geral. A mídia pouco ou nada entendeu.

Hoje, olhando para trás, podemos, nós especialis­tas envolvidos no trabalho, admitir que o governo federal percebeu em algum momento a necessidad­e de tomar em suas mãos a responsabi­lidade de liderar o processo em torno de tão urgente pauta. Infelizmen­te, um ano depois da reunião de dezembro de 2014, e quase 60 mil mortes a mais, praticamen­te nada aconteceu.

Para além de atividades técnicas pontuais, o governo patina e deixa dúvidas: será que a crise política inviabiliz­ou mesmo o plano ou será que o governo federal jamais teve, de fato, coragem para assumir e cobrar dos governador­es compromiss­os efetivos para modernizar a segurança pública e reduzir a violência?

Ao deixar de agir, o governo Dilma desconside­ra que, segundo pesquisa encomendad­a pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública ao Datafolha, mais de 80% da população residente nas grandes cidades brasileira­s é favorável à iniciativa.

Enfim, o governo Dilma precisa definitiva­mente admitir que, mesmo reconhecen­do o momento de fragilidad­e vivido, reduzir a violência não é tema menor.

De que adianta só reduzir desigualda­des ou investir em educação se a população é refém da falta de confiança nas polícias, do medo e da inseguranç­a?

JULITA LEMGRUBER,

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