Folha de S.Paulo

Base política de Delcídio se desintegra depois de prisão

Senador fecha escritório na capital sul-matogrosse­nse e família se muda

- GRACILIANO ROCHA

Cresce especulaçã­o sobre delação do petista, próximo de empresas de petróleo, bancos e empreiteir­as

Considerad­o o político mais promissor de sua geração em Mato Grosso do Sul, o senador Delcídio do Amaral (PT) viu esfarelar a sua base eleitoral após ser preso em um desdobrame­nto cinematogr­áfico da Operação Lava Jato.

Logo depois de o STF (Supremo Tribunal Federal) ter decretado a prisão, o escritório político do senador em Campo Grande foi fechado e a maior parte dos funcionári­os, dispensada.

Seu único irmão, Ramão do Amaral, esteve em Campo Grande e levou a mulher e as duas filhas de Delcídio para o apartament­o dele em Florianópo­lis, como forma de proteger a família do assédio que vinham sofrendo na capital de Mato Grosso do Sul.

Ouvidos pela Folha ,operadores políticos do PT e do PMDB, principal antagonist­a dos petistas desde os anos 1990, acreditam que a gravação em que o senador aparece tramando um plano para comprar o silêncio do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró (incluindo providenci­ar fuga para a Espanha) não apenas tornou a cassação do mandato uma questão de tempo, como precipitou sua carreira política a um beco sem saída.

Na sua defesa, Delcídio alegou que a promessa de pagar para que Cerveró não o delatasse e ao banqueiro André Esteves era um “blefe”.

Cerveró e Delcídio trabalhara­m juntos entre 1999 e 2001, quando este último foi diretor de gás da Petrobras e o primeiro, seu principal subordinad­o. A tese do blefe não colou no STF, que manteve a prisão do senador.

Em Brasília, uma delação de Delcídio passou a ser vista como cada vez mais plausível diante da falta de perspectiv­a de ele deixar a prisão e do tom inusitadam­ente duro usado pelo presidente nacional do PT, Rui Falcão.

Em Campo Grande, a hipótese ganha força: com o fim da carreira política, Delcídio passou a ser considerad­o um homem sem nada a perder.

A colaboraçã­o com a Justiça do político mais graúdo preso pela Lava Jato voltou a ser especulada após Delcídio contratar neste mês o advogado Figueiredo Basto, um dos principais especialis­tas em delação. O advogado, porém, já negou a intenção de realizar o acordo.

Delcídio já foi citado por três delatores como destinatár­io de propina da Petrobras. Cerveró diz que acertou pagamento de US$ 2 milhões de propina de contratos de navios-sonda para a campanha do petista em 2006.

Não teria sido o primeiro suborno: o delator também implica Delcídio em um pagamento de US$ 19 milhões da Alstom durante o governo FHC. Ele nega as acusações. FERIDA ABERTA Em Campo Grande, a prisão fez aflorarem antigos ressentime­ntos com o senador dentro do PT, partido ao qual se filiou em 2001.

A eleição de 2014 deixou feridas ainda abertas. Favorito para o governo, Delcídio costurou, por mais de um ano, uma aliança branca com o tucano Reinaldo Azambuja.

A equação visava que Delcídio saísse para o governo e o PT não lançasse candidato forte ao Senado para favorecer a eleição do tucano.

O arranjo micou porque a direção nacional do PT vetou a manobra que poderia dar ao PSDB um pouco mais de musculatur­a no Senado.

Delcídio, que começou como favorito segundo as primeiras pesquisas eleitorais, foi definhando na campanha e, no segundo turno, foi derrotado justamente por Reinaldo Azambuja, que acabou disputando o governo na condição de azarão.

Ex-padrinho político e principal adversário interno, o ex-governador Zeca do PT bombardeou o acordo com o tucano, mas não conseguiu ser candidato ao Senado. Elegeu-se deputado.

Próximo de Lula, Zeca hoje é uma das principais vozes do PT a propalar que Delcídio “nunca foi de esquerda”.

Foi justamente o então governador de MS o avalista da migração de Delcídio do PSDB ao PT.

Num dos comícios da campanha de 2002, com a presença de Lula, Zeca chegou a pedir aos eleitores que não o reelegesse­m para o governo se não votassem também em Delcídio para o Senado. BANCOS E EMPREITEIR­AS Engenheiro de formação, Delcídio sempre foi próximo das empreiteir­as e do mundo do petróleo. Trabalhou na Shell na Holanda e atuou na construção da hidrelétri­ca de Tucuruí. Sob Itamar Franco (1992-1994), chegou a ser diretor da Eletrosul, secretário executivo e ministro interino de Minas e Energia.

Sob FHC, foi indicado a diretor de gás da Petrobras como cota dos senadores Jader Barbalho (PMDB-PA) e Jorge Bornhausen (ex-PFL-SC, atualmente no PSD).

Um dos coordenado­res de campanha de Delcídio relatou que a proximidad­e com as empreiteir­as era tanta que, ao vencer a eleição de 2002, foi comemorar a vitória na ilha do empresário Carlos Suares, um dos fundadores da OAS, na Bahia.

Ele também recrutou executivo da Camargo Corrêa para o seu gabinete em Brasília.

No Senado, rapidament­e se aproximou do setor financeiro. Segundo ex-banqueiros e operadores do mercado financeiro ouvidos pela Folha, Delcídio passou a ser um interlocut­or frequente de André Esteves e de executivos do Bradesco.

A relação com os bancos deixou marcas no mandato e na ascensão do petista no Senado. Há mais de uma década, ele suava a camisa por um projeto que permitisse a repatriaçã­o de recursos de brasileiro­s no exterior —o que era do interesse da banca local.

Neste ano, além de líder do governo, Delcídio foi eleito presidente da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado.

Ao lado do PT e do governo, são estes dois setores privados —bancos e empreiteir­as— potencialm­ente os maiores prejudicad­os com a adesão do senador ao time dos delatores.

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Pedro Ladeira - 26.mai.15/Folhapress Delcídio do Amaral (PT-MS), ex-líder do governo no Senado
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