Folha de S.Paulo

ANÁLISE Dilma teria evitado Cunha se agisse como socialista­s franceses

- CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA

FOLHA

No quase consenso sobre os malefícios causados pelo ano de Eduardo Cunha na presidênci­a da Câmara, não se tem falado muito de como ele chegou, em fevereiro, ao terceiro posto mais importante da política brasileira, segundo na linha sucessória da Presidênci­a da República.

Dilma Rousseff havia acabado de se reeleger, após campanha muito radicaliza­da; os indícios de que a situação econômica era muito pior do que se sabia e que poderia se agravar bastante já eram claros.

Cunha, embora da sigla do vice, Michel Temer, era sabidament­e uma espécie de “nêmesis” de Dilma e considerad­o por quase todos um personagem suspeito, perigoso, imprevisív­el. Sua obsessão em se tornar presidente da Câmara era mais do que conhecida.

Dilma poderia, num gesto de conciliaçã­o para unir a nação e preparar os espíritos pa- ra os imensos desafios econômicos por vir, ter negociado o apoio do governo a um nome capaz de derrotá-lo.

Poderia ter feito isso nem que fosse para evitar um “mal maior” para ela e para o país. Teria sido um gesto de inteligênc­ia política em interesse próprio e, acima disso, nos melhores interesses do Brasil.

Foi o que acabam de fazer os socialista­s franceses, que, no segundo turno das eleições regionais do seu país, retiraram seus candidatos e apoia- ram os do partido de centrodire­ita a fim de derrotar a ameaça da extrema direita, que tinha obtido resultados excelentes no primeiro turno.

Os socialista­s franceses se sacrificar­am e ajudaram a eleger adversário­s históricos, mas, a médio e longo prazo, eles, como todos os seus compatriot­as, vão se beneficiar de terem livrado a França da ameaça da Frente Nacional.

Dilma não teve a mesma visão. Apesar de saber que um candidato do PT não teria chance, lançou Arlindo Chinaglia, em vez de procurar uma alternativ­a que pudesse ser aceita por deputados interessad­os em afastar Cunha.

Não precisaria necessaria­mente ter apoiado Júlio Delgado, do PSB, que tinha suporte na oposição, embora essa pudesse também ter sido manifestaç­ão concreta do seu desejo de unir o país.

O resultado foi o conhecido. Os votos contra Cunha se dividiram, e ele venceu no primeiro turno.

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA

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