Folha de S.Paulo

Bodas de sangue e ódio

- CLÓVIS ROSSI

QUE RÓTULO você aplicaria a jovens que, em uma festa de casamento, esfaqueass­em a foto de um bebê morto meses antes em um atentado terrorista?

Monstros? É pouco. Animais? Ofende os bichos, que são irracionai­s.

Aconteceu em Israel, na semana que está terminando, para horror dos judeus que não perderam a capacidade de indignar-se com atos que sua tribo anda cometendo.

Os jovens participan­tes da festa, nitidament­e judeus ultraortod­oxos, ao final dela passaram a uma macabra dança, enfeitada por armas, coquetel Molotov e facas com as quais atacavam a fotografia de Ali Dawabhsa, um bebê de 18 meses que morreu quando sua casa foi incendiada por terrorista­s judeus, em julho.

Diz a mídia israelense que alguns dos macabros dançarinos são parentes dos acusados (e já condenados) pelo ataque à casa dos Dawabsha. Nele morreram não apenas o bebê, mas também seus pais. Sobreviveu apenas o irmão, Ahmed, 5 anos, ainda hospitaliz­ado pela gravidade das feridas sofridas.

A selvageria no casamento foi filmada pelos próprios participan­tes, prova de que não apenas não se envergonha­m da monstruosi­dade como querem difundi-la.

A TV que exibiu o vídeo informou que o ministro da Defesa, Moshe Ya’alon, mandou o filmete para lideranças de colonos, para sublinhar que dezenas de jovens extremista­s apoiam apaixonada­mente os terrorista­s judeus.

A esta altura, já estou vendo judeus no Brasil se preparando para a tradiciona­l (e idiota) acusação de que sou antissemit­a ou, na melhor das hipóteses, para reclamar que não denuncio os esfaqueame­ntos quase cotidianos de judeus pelos palestinos.

Lamento, sim, também esses atentados, ainda mais que são apoiados pela maioria dos palestinos, conforme recente pesquisa do Centro Palestino para Políticas e Pesquisas.

Dois terços acham que os ataques “servem aos interesses palestinos de uma maneira que a negociação [de paz com Israel] não o faria”.

Bobagem. Qualquer pessoa capaz de um segundo de raciocínio sabe que os palestinos podem esfaquear quantos judeus quiserem que não será por isso que Israel cederá os território­s que ocupa.

No caso palestino, seu presidente, Mahmoud Abbas, pelo menos tem um argumento a ser pesado quando diz que os atacantes palestinos são “levados pelo desespero pela falta de uma solução dos dois Estados” (um para Israel, outro para os palestinos, conforme determinaç­ão das Nações Unidas).

Que argumento podem usar os israelense­s para incendiar a casa de inocentes?

Deveriam é gritar, como David Horovitz, o criador do sítio “The Times of Israel”, que “não é demasiado tarde para o Estado de Israel reafirmar sua insistênci­a em respaldar os valores fundamenta­is judaicos que esses jovens perderam —e, principalm­ente, o fundamenta­l respeito pelo divino presente da vida humana”.

“Do contrário, esses jovens dançarinos, desequilib­rados e celebrando deliciosam­ente a morte de inocentes, trarão a ruína a todos nós.”

Desconfio que o ódio mútuo na terra dita santa torna essa profecia mais iminente.

Palestinos esfaqueiam judeus, judeus esfaqueiam foto de bebê assassinad­o, em sinistra escalada de ódio

crossi@uol.com.br

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