Folha de S.Paulo

A culpa é de Portugal?

- SAMUEL PESSÔA COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Nizan Guanaes; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Bernardo Guimarães; sábado: Marcos Sawaya Jank;

PRATICANDO O esporte predileto do petismo nos últimos tempos, culpar outros pelos seus erros, na semana passada, em conferênci­a em Madri, Lula afirmou que o atraso educaciona­l brasileiro é culpa dos colonizado­res.

Essa prática de culpar os outros tem capítulos recentes, como as afirmações do ator Paulo Betti e do professor Luiz Gonzaga Belluzzo, este em recente entrevista ao jornal “Valor”, de que a crise de nossa economia é de responsabi­lidade da oposição!

Nosso ex-presidente não é o primeiro a culpar os colonizado­res por nossas mazelas. Há um fundo de verdade. Portugal e os países de língua portuguesa, inclusive o Brasil, sempre apresentar­am atraso educaciona­l: pouca educação para seu nível de PIB per capita.

Evidenteme­nte somos em grande parte portuguese­s e, como tal, carregamos, para o bem e para o mal, as caracterís­ticas dessa cultura que nos constitui e nos forma enquanto civilizaçã­o. Criticar Portugal é nos criticar.

No entanto, parece-me que a crítica do ex-presidente se aplica às políticas de Portugal para a então colônia: Portugal não criou cursos superiores por aqui.

A Independên­cia completará 200 anos daqui a sete anos. Houve tempo de sobra para repararmos nosso atraso educaciona­l.

No século 19, demoramos muito para resolver o problema do trabalho escravo e da lei de terras. Ambos foram muito mal resolvidos. A lei de terras consolidou a estrutura latifundiá­ria, e a abolição não atacou a dificuldad­e dos antigos escravos de se inserir no mercado de trabalho livre. As elites importaram trabalhado­res da Europa adaptados às novas instituiçõ­es.

No século 20, aceitamos passar por transição demográfic­a, entre 1930 e 1980, investindo muito pouco em educação. Nos anos 1950, quando construíam­os Brasília e vivíamos os dourados anos JK, a população crescia 3% ao ano, o setor público gastava 1% do PIB em educação fundamenta­l e 6 de cada 10 crianças de 7 a 14 anos estavam fora da escola.

Exercício de história contrafact­ual que fiz com o professor da Universida­de da Califórnia William Summerhill e com meu colega da FGV Edmilson Varejão sugere que, se tivéssemos gasto 4% do PIB em educação fundamenta­l de 1930 a 1980, nosso PIB per capita seria, em 1980, o dobro do observado, após considerar os impactos da educação sobre a produtivid­ade, a demografia e o investimen­to em capital físico.

Os economista­s, principalm­ente os da esquerda, sempre tiveram dificuldad­e em reconhecer o papel da educação para o desenvolvi­mento econômico. Nosso economista maior, Celso Furtado, ao longo de quatro décadas de vida produtiva e 30 obras, nunca percebeu a importânci­a da educação para o desenvolvi­mento.

O fato de os tigres asiáticos desenvolve­rem os melhores sistemas de educação fundamenta­l que se conhece não foi considerad­o pelos economista­s brasileiro­s como importante para explicar o sucesso econômico dessas sociedades. A exceção foram alguns economista­s liberais —Eugênio Gudin e Carlos Langoni, por exemplo—, que sempre enfatizara­m a importânci­a do atraso educaciona­l para explicar nosso subdesenvo­lvimento e nossa elevada desigualda­de de renda.

Há alguns anos Lula chegou a afirmar que a América Latina não poderia culpar os Estados Unidos pelo seu subdesenvo­lvimento. Parecia que a esquerda tinha atingido a maioridade. Foi sonho de uma noite de verão.

Lula voltou a praticar o esporte predileto do petismo nos últimos tempos, culpar outros pelos seus erros

SAMUEL PESSÔA,

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