Modelo de museu na Luz era alvo de críticas
Acervo do Museu da Língua Portuguesa era todo virtual e não se perdeu no incêndio que destruiu o prédio
Para especialistas, faltava uma biblioteca ao museu, com obras de outros países, além de atualização do material
Atingido por um incêndio na última segunda (21), o Museu da Língua Portuguesa manteve, no entanto, seu acervo intacto —era virtual e, portanto, imune ao fogo.
Ao lamentar a destruição do local, estudiosos lembraram a ausência de acervo físico e a ênfase no virtual —a casa era repleta de painéis e computadores que mostravam a origem e o significado das palavras, por exemplo.
Caso seja de fato reconstruído, como disse o governo do Estado, o museu deve ser refeito da mesma forma.
Para o poeta e africanista Alberto da Costa e Silva, 84, que colaborou na concepção do museu, ele era “sedutor”.
Novas tecnologias, diz ele, eram um atrativo —3,9 milhões de pessoas visitaram a instituição em seus quase dez anos de existência, segundo a Fundação Roberto Marinho, que a idealizou.
O Museu da Amanhã, aberto na semana passada no Rio e capitaneado pela fundação, tem a mesma proposta.
No Facebook, o editor Haroldo Ceravolo criticou “o fetiche digital” do Museu da Língua Portuguesa e “a falta de uma biblioteca da língua”. “Onde estão os livros de Angola, Moçambique, Cabo Verde, Timor, Goa, Macau, Portugal e alhures editados em português?”, escreveu.
O jornalista e poeta Heitor Ferraz Mello diz que o museu era voltado “ao mundo do espetáculo”. “A língua viva de São Paulo estava passando ali do lado [na estação da Luz]. Do lado de dentro, tinha uma língua enclausurada.”
Para o professor Pasquale Cipro Neto, colunista da Folha, faltava documentação “de variedade formal”. “Eu gostaria mais que fosse a fusão do que ele era e do que talvez faltasse nele, a parte não virtual”, afirma.
Já Marcello Dantas, diretor artístico da exposição permanente do museu, diz que o uso da tecnologia foi seu “maior acerto” e que o edifício é inadequado para uma biblioteca (“e a Mário de Andrade está a poucas quadras”).
“O museu de língua é para o homem comum. Não é para linguistas”, diz. “E que bom que o acervo era digital. Hoje temos um alívio.”
O americano Ralph Appelbaum, que fez a museografia dele e do Museu do Amanhã, defende uma instituição “rica em ideias” e não em objetos. OUTROS MÉTODOS Um museu na África do Sul sobre a língua africâner, de 1975, usa recursos semelhantes aos que o Museu da Língua Portuguesa usava: ali há brincadeiras com palavras, que podem ser rearranjadas por visitantes para formar poemas, por exemplo, e a história do idioma em murais.
Já o museu de língua norueguesa, considerado o mais antigo do mundo (de 1898), oferece experiências virtuais, mas também guarda 83.900 itens em uma biblioteca de livros, manuscritos e registros audiovisuais, entre outros.
Para Matilda Burden, autora de um estudo sobre o museu de língua africâner e historiadora da Universidade de Stellenbosch, na África do Sul, “recursos audiovisuais e métodos interativos são maneiras espertas de ‘exibir’ uma língua, mas devem ser alternados com outros métodos”.
“A tecnologia oferece possibilidades que não existem em exposições convencio- nais. Mas seu uso não pode ser exagerado.”
Um relatório de 2012, feito pela OS (organização social) IDBrasil Cultura, Educação e Esporte, que gere o museu, observa que o conteúdo exposto, como a linha do tempo da língua portuguesa, por exemplo, já estava desatualizado.
O texto também critica a ausência de uma livraria e de um café (que seria aberto em janeiro, segundo Luiz Bloch, diretor da OS).
Secretário-geral da Fundação Roberto Marinho, Hugo Barreto diz que “a atualização de acervos audiovisuais não se dá do dia para a noite”. Para ele, a crítica à ausência de acervo material “nunca foi expansiva”. “É um projeto bem-sucedido, não perfeito.”
O secretário estadual da Cultura, Marcelo Araújo, diz que a avaliação do museu era positiva. A perspectiva é de continuidade do projeto, embora não haja cronograma.