DRAMA QUEEN
Universo em expansão de drag queens gera série, documentário e curso gratuito em São Paulo
“Drag queens parecem Gremlins: jogue água e elas se multiplicam”, brinca Silvetty Montilla, 48, uma das artistas mais célebres no meio LGBT. Após o Carnaval, ela estreia a segunda temporada de “Academia de Drags”, no YouTube —espécie de versão brasileira do reality “RuPaul’s Drag Race”. Neste ano, a produção recebeu 200 inscrições, 130 a mais do que em 2014.
O universo das drags está em expansão. Parte do fenômeno pode ser atribuído ao programa de RuPaul, inspiração também para “TupiniQueens”, documentário sobre a vida dessas artistas.
“Resolvi investigar a cena nacional e encontrei muita gente nova, de 16 a 25 anos”, conta o diretor João Monteiro. O filme estreou no Festival Mix Brasil em novembro e teve os 350 ingressos esgotados a uma semana da exibição. Agora segue para festivais internacionais, como o de San Sebastián, na Espanha.
Em dezembro, o Sesc Consolação promoveu workshop gratuito de três dias sobre montagem de drag queen. O evento integrava o projeto “Damas da Noite”, que leva ao público geral atividades baseadas no universo LGBT.
No primeiro dia (9), 12 homens —incluindo o repórter da Folha— e três mulheres, sentados no chão, formam um círculo para ouvir Gabriel Leto, 21: “Tenho medo de ser agredido na rua. E apenas montada me sinto eu mesma. É quando eu não preciso sufocar coisas dentro de mim”.
O pavor de Gabriel faz sentido. De acordo com a associação Grupo Gay da Bahia, houve 317 assassinatos e nove suicídios de homossexuais no Brasil em 2014.
“Ser drag queen não é só maquiagem, figurino e performance: o segredo está aqui”, bate no peito o instrutor José Carlos Gomes, 32, que há seis anos mantém uma versão estendida do workshop, o Drag Queen Curso.
Para ele, drag é uma artista como o clown e, aos poucos, está sendo dissociada do universo LGBT. Isso explica a presença de três heterossexuais —como a atriz e cantora Amanda Caetano, 34, que faz o curso porque busca “algo para despertar na vida”.
O primeiro dia chega ao fim com exercícios sobre o salto alto, como cair e levantar como uma diva. Para quem está acostumado a calçar All Star, andar de salto faz você se sentir um flamingo bêbado. No dia seguinte (10), as panturrilhas parecem moídas, mas a dor maior está reservada para a aula de maquiagem.
“Você precisa esconder a sobrancelha”, alerta Pedro Machitte, 27. Ele explica como grudar os pelos na pele: cola bastão ou líquida. A segunda opção é melhor, mas mais difícil de tirar. Depois, é hora de trabalhar a pele. Com o auxí- lio dos colegas, aplico “paint stick”, base, pó translúcido, “pancake”, sombra, batom. Com uma peruca verde e cílios postiços, pareço um personagem de “Jogos Vorazes”.
Meia hora lavando o rosto não garante que a maquiagem saia completamente. A cara fica manchada de preto, como se recém-saída de uma mina de carvão. A cola na sobrancelha sai completamente sete horas depois —não sem o uso da força, o que leva a arrancar metade dos pelos no processo.
Apesar da cãibra na panturrilha e da sobrancelha machucada, de todo o esgotamento físico e mental, ainda é preciso ensaiar a coreografia para a aula final.
Na sexta (11), após um desfile, os alunos apresentam seus shows —vão de Britney Spears ao obscuro Johnny Hooker. Mas para além da música, dos figurinos, dos trejeitos exagerados, das camadas de maquiagem, é preciso deixar fluir uma catarse de alegrias e angústias que culmina em expressão criativa. Isso faz de drag queens verdadeiras artistas. Assista ao vídeo folha.com/no1723089