Folha de S.Paulo

Leia “Educação fora da caixa”,

Um abismo separa a urgente revolução de qualidade no ensino do que a sociedade brasileira tem conseguido encaminhar para reformá-lo

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a respeito de necessidad­e de revolução no ensino brasileiro e dos exemplos de sucesso que deveriam ser seguidos.

Chega a ser aflitivo contemplar o desfiladei­ro que separa o que é preciso fazer pela educação brasileira daquilo que na prática se está fazendo. Precisamos de uma revolução, mas não logramos nem mesmo conceber uma reforma decente.

O último ato da tragédia de erros se materializ­a na mal conduzida Base Nacional Comum Curricular.

A versão preliminar proposta por 116 especialis­tas reunidos pelo MEC carrega tantos problemas que nem parece possível, à primeira vista, chegar a um guia confiável para que pais, professore­s e gestores possam avaliar —em cada classe, em cada escola, em cada cidade— se os objetivos do ensino estão sendo cumpridos.

A falta de foco e de alvos prioritári­os bem definidos marca esse documento, assim como tudo o mais que o precedeu. Basta mencionar o Plano Nacional de Educação (PNE), de 2014, que se esparrama em 20 metas e desdobra cada uma em numerosas estratégia­s; há 36 delas só para a sétima meta.

Não será com tamanha verbosidad­e e com a multiplica­ção de intenções tão generosas quanto aéreas que se vencerá a guerra por uma educação melhor. Isso só será alcançado com um recuo ao básico: dar aulas de verdade, que utilizem o tempo disponível para explicar o conteúdo definido e sua utilidade; propor exercícios sobre o que foi ensinado; corrigir os erros cometidos e explicar por que são erros.

Usar tecnologia? Sim, tanto quanto possível, e sem fetichismo.

Qualificar, valorizar e pagar melhor os professore­s? Por certo, mas sobretudo os que demonstrar­em mais empenho e desempenho.

Adotar currículo único? Claro, desde que seja para tirar professore­s de sua zona de conforto e lhes dar clareza sobre qual é a missão, além de reorientar o que se ensina nas escolas de pedagogia.

Entretanto, nenhuma dessas iniciativa­s obterá eficácia isoladamen­te ou sem um choque de gestão nas escolas públicas. Esse diagnóstic­o parte de especialis­tas —no que conviria chamar de educação baseada em evidências— do gabarito de Naercio Menezes Filho e Ricardo Paes de Barros.

Nenhum deles se opõe a aumentar recursos para a educação. Mas, sem um plano mais concreto, observam, seria imprudente dobrálos dos atuais 5,2% do PIB para 10%, como estipula o PNE.

Não basta dinheiro para recuperar o tempo perdido e alcançar níveis de qualidade já obtidos por países como Chile e Coreia do Sul, mencionado­s por Menezes Filho em ensaio recente (bit.ly/1PkE6D9).

Coreia e Brasil partiram de patamares semelhante­s nos anos 1960: média de menos de três anos de estudo por pessoa. Meio século depois, o país asiático alcançou 12 anos; o Brasil nem chegou a oito.

Para piorar, a escolarida­de aumentou, mas não a produtivid­ade média do trabalhado­r brasileiro. Por aqui, houve muita ênfase em inclusão na escola e pouca em qualidade do ensino. Nossos estudantes continuam apresentan­do péssimo desempenho em provas padronizad­as nacionais e estrangeir­as.

Regional e localmente, contudo, algumas redes públicas obtiveram avanços notáveis. Entre os Estados, destacam-se Pernambuco, Goiás e Rio de Janeiro. O caso que mais tem chamado a atenção, por outro lado, é o do município cearense de Sobral.

De 2005 para 2013, a cidade foi capaz de quase dobrar o Ideb (Índice de Desenvolvi­mento da Educação Básica) de seus alunos, de nota 4 para perto de 8 —melhor que o índice alcançado pela média das escola particular­es de São Paulo.

Algo de muito acertado se praticou ali. Não há por que não se debruçar sobre a experiênci­a para tentar replicar o feito sobralense noutras partes do país.

Segundo Menezes Filho, o sucesso de Sobral pode ser resumido numa palavra: gestão.

Entre as medidas adotadas figuram prioridade para a alfabetiza­ção na idade certa, com currículo bem definido; produção de material didático próprio com treinament­o pragmático para docentes aprenderem a utilizá-lo com eficácia; avaliação externa com bônus financeiro para mestres e escolas com bom desempenho.

Outro componente do sucesso é a autonomia para diretores e professore­s escolherem os meios de alcançar metas claras e mensurávei­s. Também há que vencer o preconceit­o ideológico e realizar experiment­os como entregar a gestão de escolas da rede oficial a organizaçõ­es sociais.

Paes de Barros investe ainda contra outro tabu, que barra a solução de cobrar mensalidad­es do aluno de universida­de pública que possa pagar para eliminar distorção no investimen­to público: despender muito mais com estudantes do ensino superior (R$ 21 mil por ano) do que com os de pré-escola e ensino fundamenta­l (R$ 5.500).

Não se romperá o nó górdio da educação sem abandonar as ideias feitas e sem pensar fora da caixa.

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