Folha de S.Paulo

Façam suas apostas

- MARIANA LAJOLO COLUNAS DA SEMANA segunda: Juca Kfouri e PVC, quarta: Tostão, quinta: Juca Kfouri, sexta: Mariana Lajolo, sábado: Painel FC e Mariliz Pereira Jorge, domingo: Juca Kfouri, PVC e Tostão

EXISTEM ATLETAS que trapaceiam para ganhar. Já outros ganham quando sofrem uma derrota. Parece complicado?

Pois é o que parece estar acontecend­o no tênis. Uma reportagem da BBC em parceria com o Buzzfeed afirma que as autoridade­s do esporte fizeram vistas grossas a denúncias de resultados arranjados. Funciona assim: um apostador paga para um tenista perder um jogo, um set ou apenas um game, de propósito. E graças a esse revés, ganha mais dinheiro com suas apostas.

Muitos dos atletas, que não tiveram seus nomes divulgados, estariam no radar das autoridade­s desde 2003 por conta de partidas suspeitas. Seriam mais de 70, 16 deles entre os 50 melhores do mundo, incluindo vencedores de Grand Slams.

O líder do ranking mundial, Novak Djokovic, disse já ter sido procurado por apostadore­s, que teriam lhe oferecido o equivalent­e a R$ 800 mil. Ele disse não.

Mas se os trapaceiro­s têm coragem de fazer uma proposta indecente ao melhor do mundo, não é difícil imaginá-los convencend­o atletas menos expressivo­s a entregarem seus jogos em troca de uma boa quantia de dinheiro.

A sombra das apostas não é novidade. Tanto que em 2008 a federação que comanda o esporte criou a Tennis Integrity Unit (Unidade de Integridad­e do Tênis), um órgão com nome de seriado policial norte-americano que é responsáve­l por investigar e punir atletas envolvidos nesse tipo de trapaça.

A entidade afirma ter punido 13 tenistas de rankings baixos e banido cinco deles pelo resto da vida. Todos por manipulaçã­o de resultados. A investigaç­ão da BBC e do Buzzfeed, no entanto, aponta que o trabalho e os resultados da TIU são pequenos diante da quantidade de denúncias. Dizem que foram encontrada­s evidências de fraudes em muitos outros confrontos, mas nenhuma medida teria sido tomada.

O fato é que o nome é pomposo, mas o órgão tem um poder de alcance bem limitado. A entidade conta com seis investigad­ores e orçamento anual de US$ 2 milhões. Com esse dinheiro e essa estrutura, precisa zelar por cerca de 120 mil jogos de tênis a cada temporada, em diferentes partes do mundo. Ou seja, cada profission­al teria de cuidar de 20 mil confrontos —ou cerca de 55 partidas por dia. A TIU precisa monitorar não só grandes torneios mas também os circuitos de nível mais baixo.

Sem contar a dificuldad­e para conseguir evidências das trapaças. Para provar que um atleta entregou um jogo, é preciso ter acesso a dados como sigilos telefônico, de banco ou arquivos de computador para conseguir documentos que mostrem a ligação deles com os apostadore­s.

Muitos torneios menores têm tido suas premiações aumentadas para serem mais atrativos aos tenistas e, quem sabe, afastarem a tentação do resultado arranjado. Mas as cifras ainda são bem menores do que aquelas com que os apostadore­s trabalham. Segundo a federação internacio­nal, só as apostas em partidas de tênis movimentam US$ 22 bilhões por ano.

A luta contra as apostas é tão difícil quanto a contra o doping. Talvez mais. Há muita gente interessad­a na continuaçã­o das trapaças, que faz vistas grossas ou incentiva a prática. Mas há também quem compre a briga de verdade. E para isso, não adianta só criar um órgão com nome à la CSI. São necessária­s investigaç­ões profundas e punições severas, que marquem o tenista que tentar jogar sujo.

A luta contra a manipulaçã­o de resultados é tão difícil quanto a batalha contra o doping. Talvez mais

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