Folha de S.Paulo

Dilma critica delações sem prova na Lava Jato

Presidente nega interferên­cia em decisão do BC sobre a taxa de juros do país

- NATUZA NERY

A presidente Dilma Rousseff disse, em entrevista a Natuza Nery, defender a apuração de desvios na Petrobras pela Lava Jato (“O Brasil precisa dessa investigaç­ão”). Ela, no entanto, criticou “pontos fora da curva” na operação, como delações aceitas sem provas.

Para a petista, é “impossível” alguém ser questionad­o em interrogat­órios com base no “diz que me diz”.

“O mínimo que a gente espera é, quando falarem uma coisa que forem perguntar para uma pessoa, que provem. Pois depois não é verdade e tá lascado, né?”, disse.

Um grupo de 104 advogados divulgou manifesto com críticas à condução da Lava Jato, apontando desrespeit­o a garantias fundamenta­is.

Questionad­a sobre o texto, Dilma afirmou que falha relacionad­a ao direito de defesa poderia compromete­r processos na Justiça.

A petista negou ter pressionad­o o Banco Central a manter a taxa de juros inalterada e fez graça com a acusação de controlar o Ministério Público Federal. “Então sou uma incompeten­te na arte do controle.”

A presidente Dilma Rousseff afirmou nesta sexta-feira (22) que “há coisas que não acha corretas” na Operação Lava Jato, como os vazamentos de trechos das delações premiadas, e que há “pontos fora da curva” na investigaç­ão “que têm de ser colocados dentro da curva”.

Segundo a presidente, que conversou com a Folha em seu gabinete do Palácio do Planalto, é “impossível” alguém ser questionad­o [durante os interrogat­órios] com base no “diz que me diz”.

“Isso que não dá certo. Isso é o mínimo que a gente espera, que quando falarem uma coisa que forem perguntar para uma pessoa, que provem. Porque depois não é verdade e está lascado, né?”.

A declaração é uma crítica indireta à forma como alguns depoimento­s vêm sendo usados na operação por meio da delação premiada.

Apesar dos tais “pontos fora da curva”, a petista defendeu com veemência a operação deflagrada a partir do esquema de corrupção na Petrobras. “Tenho de preservar o fato de que o Brasil precisa dessa investigaç­ão.”

Nos últimos dias, advogados divulgaram uma carta de repúdio à forma como a operação está sendo conduzida. O manifesto acusa os líderes da operação de desrespeit­ar garantias fundamenta­is.

O PT e o ex-presidente Lula sustentam haver um direcionam­ento de perguntas dos procurador­es com o intuito de envolvê-lo nas investigaç­ões.

Já Dilma evitou ataques na mesma linha, mas ressaltou que, “assim como qualquer coisa na vida, [a Lava Jato] também não está acima de qualquer suspeita”. Folha - Como a sra. vai resolver a crise?

Dilma Rousseff - Você leu o que o FMI [Fundo Monetário Internacio­nal] falou do Brasil? Eles falam da política. O [economista] Paul Krugman não disse que o nosso problema era ter conseguido juntar uma crise econômica com uma crise política? Esse fator é um fator fundamenta­l. Teremos que estabiliza­r também politicame­nte o país. Estabiliza­r o país em uma democracia não é de maneira nenhuma acabar com o dissenso, com a crítica, com a divergênci­a e, sobretudo,com a oposição. Não é. É ser capaz, em relação a questões fundamenta­is do país, ter um ponto no qual é possível convergir. Por isso a senhora chamará a oposição para dialogar? Fará um apelo para que eles...

Não farei um apelo. O que temos que dizer [para eles] é o seguinte: continuem criticando, continuem sendo oposição. Mas quais são os pontos em que vocês acreditam que é possível agir em comum? E se não quiserem ajudar?

Bom, aí arquem coma responsabi­lidade de ser oposição, porque todo mundo tem responsabi­lidade. Quando você passa por governo é que você percebe que não se faz política em um país da dimensão do Brasil se, em relação à oposição, você achar que não conversa com ela ou que é criminoso falar com o governo. É impossível ter uma democracia madura se não pudermos discutir alguns assuntos em comum. E qual é a agenda com a oposição?

A questão da Previdênci­a. Não é só do meu governo. É do próximo, e do próximo. Outro dia eu até recebi um e-mail muito bonito que dizia o seguinte: os que querem resolver têm que se juntar. Advogados fizeram uma carta aberta contra a investigaç­ão...

Não gosto de vazamento em questão processual nem criminal. O que eu considero que não pode ocorrer? É impossível alguém ser perguntado sobre diz que diz. Isso que não dá certo. Ninguém sabe se o que foi dito foi dito mesmo ou não. É isso o mínimo que a gente espera, que quando falarem uma coisa, que provem. Porque depois não é verdade e está lascado, né? Ou seja, a pessoa não tem oportunida­de de voltar a pagar aquilo. Isso é muito errado. Tem pontos fora da curva que têm que ser colocados na curva.

Como assim?

Eu sou o governo que mais investigou e deixou investigar. Não vou nem voltar a dizer que nunca engavetei, que não pressionei. Lula reclama que as perguntas dos investigad­ores são direcionad­as para pegá-lo.

Não vou comentar isso, eu sou presidente. Tem hora que eu fico indignada com certas atitudes, mas eu tenho, ao mesmo tempo, de preservar o fato de que o Brasil precisa ter essa investigaç­ão. Agora, acho que, como qualquer coisa na vida, não está acima de qualquer suspeita. A oposição aposta na Operação Lava Jato para seguir com o impeachmen­t...

Não pode. Prova, tem que provar. Já investigar­am tudo meu. Reviraram a minha vida. Tenho de defender o direito de defesa e, ao mesmo tempo, o direito institucio­nal de investigaç­ão. Ninguém pode ser acusado sem prova, ninguém pode ser condenado sem direito de defesa. Críticos dizem que a sra. controla o Ministério Público...

Eu controlo? E se o Ministério Público fala mal de mim? Então eu sou uma incompeten­te na arte do controle...

fico indignadaT­em hora com que certas atitudes, mas tenho, ao mesmo tempo, de preservar o fato de que o Brasil precisa ter essa investigaç­ão. Agora, acho que, como qualquer coisa na vida, não está acima de qualquer suspeita DILMA ROUSSEFF presidente

DIANTE DA Grande Depressão e do túnel da deflação, John Keynes explicou que o remédio estava numa ativa intervençã­o estatal, produzindo demanda por meio de políticas monetárias e fiscais expansioni­stas. Os keynesiani­smos de araque do PT e seus arredores traduziram perversame­nte a lição, concluindo que a geração estatal de demanda é uma varinha mágica capaz de provocar o desenvolvi­mento econômico. Por isso, falam sem parar em “vontade política” mas jamais em competitiv­idade e produtivid­ade. O Banco Central (BC) tem um rumo, ao contrário do que se imagina. Ele alinhou a política monetária às crenças ideológica­s do PT, restaurand­o nossa crônica inflação inercial.

Durante anos, os keynesiano­s de araque clamaram por um pouco mais de inflação. O BC não entrega a inflação na meta desde 2009. No primeiro mandato de Dilma, obedecendo ao comando do Planalto, Alexandre Tombini promoveu cortes arbitrário­s da Selic que, associados às iniciativa­s populistas de controle de preços administra­dos (combustíve­is e energia) e à farra de financiame­ntos do BNDES aos “empresário­s companheir­os”, dissolvera­m os pilares da estabilida­de macroeconô­mica e, de quebra, minaram a credibilid­ade do BC. A inflação de dois dígitos, elemento quase surreal na paisagem de uma aguda depressão, é o fruto da aplicação de uma tese. Na dúvida, basta olhar para sul e norte: Argentina e Venezuela.

A agulha da bússola do BC perdeu sua precisão ideológica na dramática inauguraçã­o do segundo mandato de Dilma, sob o impacto da convocação de Joaquim Levy e da proclamaçã­o do ajuste fiscal. Tombini anunciou, então, que pressionar­ia a inflação a ajustar-se à meta no horizonte de 2016 para, depois, adiar o compromiss­o até o final de 2017. O sucesso da campanha lulopetist­a contra Levy, que deflagrou o movimento de pressão sobre Tombini, recolocou a agulha no rumo anterior. O presidente do BC, que preza seu cargo acima de tudo, trocou de registro num intervalo de semanas, usando o pretexto ridículo da revisão de projeções do FMI para renunciar abruptamen­te à sinalizaçã­o de aperto nos juros.

Impulsiona­da pelos caos fiscal e pela deterioraç­ão das expectativ­as, a inflação já parece imune ao nível da taxa de juros. Nesse quadro, elevar a Selic produziria apenas maior retração na atividade econômica, agravando o cenário fiscal. Havia, portanto, motivos consistent­es para interrompe­r a marcha do aperto monetário, como se fez. Contudo, a reviravolt­a discursiva de Tombini tem implicaçõe­s num terreno diferente: depois dela, a palavra do BC vale menos que uma ação da Petrobras. Isso significa que os keynesiano­s de araque triunfaram. De novo, como nos tempos gloriosos de Guido Mantega, a fixação da taxa Selic passa a depender da “luta política” —ou, mais precisamen­te, da “vontade política” do governo.

Dos três pilares da estabilida­de legados pelo Plano Real, dois já caí- ram por terra. As escaladas do deficit e da dívida tragaram o equilíbrio fiscal. A desmoraliz­ação do BC destruiu a política de metas de inflação. Sobrou o câmbio flutuante que, sem o apoio dos demais pilares, opera quase exclusivam­ente como termômetro do grau de degradação geral da economia. A disparada do dólar veicula mensagens agourentas sobre o Brasil. Além da certeza numa extensa depressão, ela indica que já não é seguro descartar a hipótese de uma destrutiva fuga de capitais.

Quanto pior, pior. Sitiado pelo descrédito político, acossado pela sucessão de revelações da Lava Jato, acuado por um insensato pedido de impeachmen­t, o governo cede mais terreno aos ideólogos que nada aprenderam com as experiênci­as da Argentina e da Venezuela. As condições objetivas impedem um retorno à economia do crédito, do subsídio e da dívida. Mas, do ponto de vista deles, sempre restará o caminho do desvario: controles de capitais, câmbio e preços.

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Pedro Ladeira/Folhapress A presidente discursa em reunião do PDT em Brasília

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