Água tóxica atinge crianças nos EUA e abala governo local
Cidade de Flint está em emergência após chumbo afetar sistema hídrico; há suspeita de negligência
Governador pede desculpas; população mostra sintomas de intoxicação e médicos investigam relação
Flint, no Estado do Michigan, é uma cidade em emergência. O motivo é a água turva que sai das torneiras desde 2014 com alta concentração de agentes tóxicos e gera pressão crescente para que o governador Richard Snyder, republicano, renuncie.
Sua gestão é acusada de ignorar por meses as queixas de moradores sobre a cor amarelada e indícios de contaminação da água.
O caso ganhou projeção nacional no fim de 2015, quando a ameaça à saúde da população tornou-se inegável. Nesta semana, em discurso anual, o governador pediu desculpas: “O governo falhou com vocês, tanto o federal como o estadual, quanto os líderes locais”, disse Snyder. “Peço desculpas”.
A crise teve origem em abril de 2014, quando Flint estava sob o controle de um gestor nomeado pelo Estado de Michigan para lidar com a crise financeira da cidade.
Para cortar custos, as autoridades desligaram o sistema hídrico de Detroit e passaram temporariamente a usar a água do rio Flint para abastecer a cidade, até que um novo reservatório estadual ficasse pronto. A medida permitiria, projetou-se, economizar US$ 8 milhões.
Mas a água do rio era altamente corrosiva, o que levou os antigos canos da cidade a se desfazer, soltando quantidades tóxicas de chumbo.
Os moradores notaram a mudança na cor da água e um aumento de sintomas como dores de cabeça, irritações de pele e até queda de cabelo. CRIANÇAS Em setembro, um grupo de médicos recomendou que o consumo de água da torneira fosse suspenso após detectar altos níveis de chumbo no sangue de crianças de Flint. Um estudo feito com amostras coletadas em 271 lares da cidade comparou a água da cidade a “lixo tóxico”.
Ainda assim, as autoridades continuaram a dizer que a água era segura, para espanto dos moradores.
A pressão não cedeu, e o governo de Michigan acabou decidindo reconectar o abastecimento ao sistema hídrico de Detroit. No dia 5, Snyder declarou estado de emergência e convocou a guarda nacional para ajudar a distribuir água engarrafada.
Para aplacar a revolta e demonstrar transparência, o governador divulgou nesta semana mais de 200 páginas de emails que trocou ao longo do último ano sobre o tema.
Neles é possível detectar um jogo de empurra entre autoridades locais e o Estado conforme a crise se agravava.
As autoridades de saúde investigam agora se há ligação entre a água contaminada e o aumento significativo do número de pacientes com um problema respiratório conhecido como “doença do legionário”. Entre abril de 2014 e outubro de 2015 foram registrados 87 casos em Flint, com dez mortes confirmadas.
No último fim de semana, o presidente dos EUA, Barack Obama, assinou uma determinação que destina US$ 5 milhões em fundos de emergência federais para ajudar a contornar a crise.
Em entrevista a uma emissora de TV, Obama chamou de “inexplicável e indesculpável” a demora das autoridades em suspender o abastecimento de água contaminada, apesar dos indícios.
Alguns críticos atribuíram a negligência ao abandono das camadas mais humildes da sociedade, geralmente negras, pelas autoridades.
“Uma cidade inteira exposta a água venenosa, como pode?”, questionou Charles M. Blow, colunista do “New York Times”. “É difícil imaginar isso em uma cidade sem o perfil demográfico de Flint, de maioria negra e desproporcionalmente pobre”.
Hillary Clinton, favorita entre os pré-candidatos Democratas à Casa Branca, também citou a questão racial. “Estaríamos indignados se isso ocorresse com crianças brancas. Deveríamos estar indignados de estar ocorrendo agora a crianças negras”, discursou ela nesta semana.
Nascido em Flint, o documentarista Michael Moore criou uma petição pela demissão do governador. Ele exorta Obama a abrir uma investigação e pede que, se provada a responsabilidade, Snyder seja preso.