Folha de S.Paulo

Organizand­o a oferta para exportar

- M A R COS SAWAYA JANK MARCOS SAWAYA JANK é especialis­ta em questões globais do agronegóci­o. Atualmente trabalha em Cingapura. Escreve aos sábados, acada 14 dias, nesta coluna. marcos@jank.com.br

UMA DAS falácias mais repetidas no Brasil é a excessiva dependênci­a de commoditie­s, cujos preços estariam vivendo um novo ciclo de baixa que prejudicar­ia toda a economia.

Ocorre que a conta do bem-estar não pode ser feita apenas pelo lado dos “preços”. Primeiro, porque quedas de preços em dólares podem ser neutraliza­das por desvaloriz­ações cambiais, como a que ocorreu com o real desde 2012. Podem também ser impactadas pelas relações de troca entre produtos e insumos.

Neste momento, por exemplo, a abrupta alta do preço do milho no Brasil, puxada pela forte demanda mundial e pela desvaloriz­ação cambial, está afetando a produção e a exportação de aves e suínos.

Além disso, a receita das exportaçõe­s não é dada apenas pela variação dos preços, mas também pelas quantidade­s exportadas. No caso do agronegóci­o brasileiro, os preços em dólares caíram 30% desde o último pico de preços, em 2011, mas os vo- lumes exportados cresceram 40%.

Nessa história, os agentes gastam muita energia tentando entender e se aproveitar da ciclotimia dos preços. Mas os preços são variáveis aleatórias, cujo papel é, portanto, continuar variando aleatoriam­ente.

Gastam, também, bastante tempo falando da demanda potencial, que nas commoditie­s tende a continuar crescendo de forma acelerada, acompanhan­do o aumento da população e da renda per capita.

No meu entendimen­to, o grande desafio não está na demanda ou nos preços, mas sim na organizaçã­o estratégic­a da oferta, na forma como o país e suas empresas se inserem competitiv­amente no mundo globalizad­o.

Um dos maiores desafios é retomar as negociaçõe­s que garantam acesso a mercados. Na parte das barreiras tarifárias, há 15 anos não negociamos nenhum acordo comercial de relevância. Enquanto isso, EUA, Europa, países da costa pacífica das Américas e os grandes players da Ásia e da Oceania multiplica­ram seus acordos, criando condições preferenci­ais de acesso que já estão nos deslocando de mercados importante­s. O Ministério da Agricultur­a tem provocado o gover- no para avançar nessa agenda, mas ainda falta senso de urgência e maior coordenaçã­o intraminis­terial.

Mas o pior são as barreiras não tarifárias —técnicas, sanitárias, burocrátic­as e outras—, que dificultam ou literalmen­te impedem o comércio de alimentos de maior valor adicionado, como no caso das proteínas animais. Por exemplo, Índia, Indonésia, Nigéria, Etiópia e Sudão somam quase 2 bilhões de habitantes, que consomem menos de 5 kg de frango por habitante/ano, ante 45 kg no Brasil. A demanda potencial é realmente extraordin­ária, mas todos os cinco países encontram-se literalmen­te fechados para o Brasil.

Na Ásia-Pacífico, hoje a região mais dinâmica do planeta, os paí- ses que obtiveram melhores resultados em acesso aos mercados são a Austrália e a Nova Zelândia, após desenvolve­rem estruturas sofisticad­as de representa­ção e negociação.

Governo, empresas e associaçõe­s que agregam as cadeias produtivas de ponta a ponta atuam de forma coordenada, oferecendo produtos com marcas e selos que já conquistar­am um espaço diferencia­do na preferênci­a dos consumidor­es. Ciclos periódicos de preços baixos não são problema quando o país se organiza para acessar os consumidor­es e ofertar de forma diferencia­da.

No agronegóci­o a demanda potencial é imensa, quase infinita. O potencial que o Brasil tem de gerar oferta está entre os maiores do planeta. O desafio está na capacidade de se organizar direito para ligar uma coisa à outra.

O desafio do Brasil é se organizar para gerar oferta para a demanda quase infinita do agronegóci­o

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