CRÍTICA Samuel Beckett firma sua voz em texto inédito
Em ‘Ossos do Eco’, desconhecido do público até 2014, autor irlandês ressuscita protagonista de histórias anteriores
FOLHA
É em “Ossos de Eco” que se assiste talvez ao primeiro ensaio de figuração, na obra de Samuel Beckett, de uma voz acusmática (sem fonte determinada), que, contrastada de hábito a corpos afásicos ou com movimentação calculadamente restrita, e submetida a um sem número de variações e mudanças de tom, singularizaria a sua ficção e seus experimentos corais com frequência em registro paradoxalmente monológico.
É um pequeno texto, escrito em 1933 como um adendo à coletânea “More Pricks than Kicks” (e inédito para o grande público até 2014).
À primeira vista, parece expor sobretudo as tensões entre, de um lado, uma poética da contração (como a enunciada pelo escritor em seu ensaio sobre Proust) e, de outro, um movimento expansivo-experimental (de linhagem joyceana, marcado pela proliferação de citações, pelas mutações estilísticas e pelos deslocamentos de foco e registro), aspectos característicos da sua primeira ficção (belamente analisada, dentre outros, por John Pilling em “Beckett before Godot”, de 2004).
Mas algo nele parece prefigurar também (mesmo que por vezes ainda tematicamente) preocupações e princípios composicionais cujos desdobramentos mais amplos na escrita beckettiana se dariam nas décadas seguintes.
A começar do jogo com alusões internas à própria obra, com as quais Beckett já se di- vertia nesses escritos de juventude, fazendo desse conto uma miscelânea auto-satírica do romance que acabara de escrever (e ficaria sem editor) e da coletânea então no prelo.
E passando pelo seu gosto pelos trípticos, trios e estruturas trilogísticas, que faz questão de assinalar, definindo o texto “Ossos de Eco” como um “mínimo tríptico”.
E com fonte propositadamente evidente. Pois, se em diálogo tanto com o espectro paterno hamletiano (lembrese que o pai de Beckett morrera poucos meses antes da criação do conto), quanto com “Finnegans Wake” (só que, nesse caso, é o protagonista do romance “Dream of Fair to Middling Women” e das histórias de “More Pricks than Kicks” que “revém” dos mortos), é de contexto danteano que Beckett extrai, mais uma vez, o indolente Belacqua (agachado, no “Purgatório”, em posição fetal, à sombra de uma pedra), assim como a sugestão de um modo tripartido de composição para “Ossos de Eco”.
Como se realizasse miniaturização —em modo humo-