OSSOS DE ECO
rístico— da construção tríptica da “Divina Comédia” (e da divisão medieval tripartite da lógica), apresentando a “cruel reversão” temporária de Belacqua Shuah ao mundo dos vivos em “três cenas”, nas quais se registram seus encontros com a prostituta Zaborovna Privet, o gigantesco Lorde Gall de Artemísia, e o guarda-túmulos Mike Doyle.
Tripartições que, como a divisão cênica no conto, seriam fundamentais tanto à composição de um texto como “How It Is”, quanto a trios como o de “Come and Go”, e triangulações vocais, como em “That Time”, ou figurais, como em “Ghost Trio”. Ou, ainda, a construções frasais pautadas em triplas dislocuções, como aquela, bastante conhecida, que encerra “O Inominável”, por exemplo: “é preciso continuar, não posso continuar, vou continuar”.
Mas é sobretudo ao final do texto, quando começam a surgir referências ao protagonista como “voz”, que a obra parece anunciar a micro-história, embutida nesse pósóbito, de uma outra reversão. Aliás, já anunciada no título escolhido por Beckett.
A de Eco, consumida pelo amor não correspondido de Narciso, e de quem só restam, no mito ovidiano, a voz e os ossos, convertidos em pedra.
Enquanto Belacqua e Doyle profanam o túmulo do primeiro, e descobrem, no caixão, um punhado de pedras, se é inevitável pensarmos que elas ressurgirão, obsessivamente, em Molloy, é importante observar que o que Beckett ficcionaliza, igualmente, aí, via Eco, é o princípio vocal que passaria a conduzir metodicamente a sua escrita. FLORA SÜSSEKIND AUTOR Samuel Beckett TRADUÇÃO Caetano W. Galindo e Rogerio W. Galindo EDITORA Biblioteca Azul QUANTO R$ 44,90 (148 págs.) AVALIAÇÃO muito bom