Folha de S.Paulo

‘A Grande Aposta’ é o melhor filme de ficção sobre a crise

Se você não é especialis­ta, tanto faz não entender termos do mercado financeiro

- VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA

“A Grande Aposta” é o melhor filme sarcástico sobre o dinheiro grosso que Hollywood pode comprar. Pelo menos, é o melhor filme de ficção sobre a crise financeira que explodiu em 2008 em Wall Street.

É a história de meia dúzia de tipos que ganharam dinheiro porque, “gênios”, perceberam a ruína de um certo tipo de aplicação financeira, falência que apenas detonou a fase final de uma crise de origem muito enrolada.

Um deles é um sujeito deficiente em interação social, caolho, gênio das finanças que vive de bermudas e chinelos e ouve heavy metal isolado na sala onde dirige um “hedge fund”.

A gente já viu esse filme. Um tipo meio maníaco, em geral cientista, avisa que vai dar besteira e ninguém dá bola: o “Tubarão” vai comer o pessoal na praia, o dinos- sauro vai pular a cerquinha em “Jurassic Park”, não convém ferir os sentimento­s do “King Kong” etc.

O suspense não está na tensão da espera da catástrofe, mas em saber quando enfim os bastardos inglórios vão ganhar dinheiro, quando virá a ruína promovida por “coxinhas” metidos dos bancões, caricatos em seu esnobismo medíocre, sua corrupção cínica. Enfim, o filme nos põe a torcer por uma turma que é apenas o outro lado da mesma moeda, os piratas “do bem”. É Hollywood.

A narrativa é interrompi­da por conversas com o espectador, recurso velho como o coro do teatro grego antigo: figuras aparecem para “explicar” a algaravia financeira. Tem algo de fetichismo isso de “entender” as finanças da crise. A criatura não entende como funciona o fundo de banco em que põe seu dinheiro, mas quer entender um derivativo de crédito em dois minutos? Não vai.

Os investimen­tos enrolados que viraram pó dependiam em última análise dos pagamentos de “prestações da casa própria”. Mas apenas aplicações financeira­s ruins não causariam tamanha catástrofe. Finanças excessivam­ente livres e gigantes estão na origem do problema. REVOLUÇÃO O poder e o tamanho da finança a partir dos anos 1980 dependeram de revoluções na matemática, na teoria econômica, na computação, da liberação do fluxo de dinheiro grosso pelo mundo. Dependeram da revolução liberal iniciada por Ronald Reagan.

Bill Clinton deu o golpe final nas tentativas de regulament­ar esses mercados. Instalou gente “moderna” de Wall Street dentro da Casa Branca, embora seja queridinho de gente meio de esquerda (“Clinton, seu lindo!”). O dinheiro da finança agigantada comprava apoio político para se livrar da regulação do governo e crescer demais.

Entre 1980 e 2008, a dívida do setor privado americano saltou do equivalent­e a 1,2 vez o tamanho da economia americana para três vezes em 2008. A dívida das famílias dobrou, mas a renda mediana do trabalhado­r ficou estagnada. A economia se viciou em bolhas de crédito (empréstimo­s excessivos, sem fundamento), com taxas de juros básicas abaixo de zero na maior parte do século, vivendo acima dos seus meios graças ao financiame­nto de Japão e, depois, da China.

Quando as taxas de juros subiram, em 2005, muita gente deixou de pagar os empréstimo­s, muitos deles porcos, empurrados para pessoas sem meios de bancá-los. A pirâmide começou a ruir.

O filme não teria como contar nem essa parte da história política e econômica da crise. Mas isso é mais importante de entender que uma “obrigação de dívida colaterali­zada”, um CDO, a estrela da crise. O que é isso? Se você não é especialis­ta, meio tanto faz. (THE BIG SHORT) DIREÇÃO Adam McKay ELENCO Christian Bale, Steve Carell e Ryan Gosling. PRODUÇÃO EUA, 2015, 12 anos QUANDO em cartaz

Adorei! Acho uma coincidênc­ia ter a Operação Lava Jato agora, porque o Gibson tava na cabeça do João antes. Mas foi a Lava Jato que virou essa coisa de colocar na cadeia pessoas milionária­s, o pessoal que frequenta a [revista] “Forbes”. Qual personagem você prefere: Nilo ou Gibson?

Os dois. Ambos são geniais. O Gibson tem uma das coisas mais interessan­tes para um ator, ele representa o tempo todo. A defesa que ele faz da morte da Kiki [Deborah Evelyn] sem transparec­er que tá fingindo, só um psicopata consegue ser tão bom ator sempre! Não existe um muxoxo que ele dê que não seja verdadeiro. Por que a novela não foi um sucesso tão grande e imediato quanto “Avenida Brasil”?

Agora está batendo recorde atrás de recorde. No grupo de discussão o público disse que era muita novela com favela, violência. Tem umas coisas [...], o Boni [exdiretor da Globo] chamava de química. É inexplicáv­el. “Roque Santeiro” e “Avenida Brasil” tiveram uma química insuperáve­l. Isso Acha que o espectador não quer ver a realidade?

“Pantanal” foi isso. Sem querer, o Jayme [Monjardim, diretor] supriu uma necessidad­e que o público tava querendo naquele momento de ver tuiuiú voando, ter a personagem que virava onça. Benedito [Ruy Barbosa], né? E lá vem ele de novo, agora que me dei conta (risos) [o autor escreve a próxima novela das 21h].

Mas não acho que tem isso de o público não querer ver, o ibope tem dado 33 pontos em SP [cada ponto equivale a 69 mil casas]. Nas redes sociais teve quem comparou o Gibson a você, por você ser petista...

...teve xingamento, aquela coisa primária “a arte imita a vida”. Com o Nilo foi igual, falavam que eu tinha nascido no lixo. Agora sou o chefe de quadrilha, embora de direita como eles [que me xingam]. A hora que fizer um padre, serei pedófilo. Se a pessoa não gosta de alguém, xinga de qualquer jeito. Foi o que o Umberto Eco disse, “a internet deu voz aos imbecis”.

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