Folha de S.Paulo

IVES GANDRA E HAMILTON DIAS

IVES G ANDRADA SILVA MARTINS E HAMILTON DIAS DE SOUZA

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Gravação torna evidente o intuito de proteger petista

Há dias circulavam rumores de que o alto escalão do governo federal e a cúpula do PT estudavam a nomeação do ex-presidente Lula, acusado de envolvimen­to em casos de corrupção, para o cargo de ministro. Tais boatos se concretiza­ram na última quarta (16).

O objetivo da manobra, ao que tudo indica, é garantir ao ex-presidente a prerrogati­va de “foro privilegia­do”. Como consequênc­ia, as denúncias contra ele dirigidas deixariam de ser examinadas pela Justiça Federal comum, evitando que o caso chegue às mãos do juiz Sergio Moro. O STF (Supremo Tribunal Federal) é que decidiria a questão.

A Constituiç­ão confere à presidente o poder de escolher seus ministros. Trata-se, porém, de uma faculdade apenas aparente, pois sujeita a limitações rígidas, decorrente­s, primordial­mente, do fato de que a atuação da administra­ção deve ser pautada por fins e interesses públicos, nunca particular­es.

De fato, os poderes constituci­onalmente conferidos ao governante são garantidos a ele na qualidade de integrante do Estado. Existem apenas para que possa cumprir seu dever de atender aos interesses da coletivida­de. São estes, nunca é demais recordar, que justificam a existência do próprio aparelho estatal e da posição ocupada.

Justamente por isso é que o artigo 37 da Constituiç­ão determina que as autoridade­s conduzam seus atos com impessoali­dade e moralidade. Simpatias pessoais e/ou interesses de facções e grupos ligados ao governante não podem interferir na gestão da coisa pública.

Diante desse quadro, não há dúvidas de que a nomeação do ex-presidente esbarra nas limitações referidas. Isso porque realizada com objetivo prepondera­nte de protegê-lo ou de amenizar a sua complicada situação, na qualidade de pessoa próxima à presidente. Como tal, é completame­nte inválida.

O STF é firme em reconhecer que o tratamento privilegia­do que não decorra de “causa razoavelme­nte justificad­a” implica inadmissív­el “quebra de moralidade”.

A Corte Suprema, a propósito, já analisou questão idêntica, decidindo que: “A nomeação para o cargo de assessor... é ato formalment­e lícito. Contudo, no momento em que é apurada a finalidade contrária ao interesse público, qual seja, uma troca de favores..., o ato deve ser invalidado, por violação ao princípio da moralidade administra­tiva e por estar caracteriz­ada a sua ilegalidad­e, por desvio de finalidade”.

A propósito, não se diga que a presença do ex-presidente no corpo ministeria­l pode contribuir para amenizar agrave crise de legitimida­de do governo. Nem que pode, de alguma forma, auxiliar na reversão da cambaleant­e situação econômica do país.

Afinal, se assim fosse, a nomeação teria ocorrido muito antes, já que esse quadro se arrasta há meses.

A situação foi agravada pela divulgação do diálogo entre os dois protagonis­tas, no qual, nitidament­e, fica evidenciad­o que o intuito da nomeação foi proteger Lula do pedido de prisão preventiva que seria examinado pelo juiz Sergio Moro.

Tal gravação comprova que foram feridos quatro princípios fundamenta­is da administra­ção pública, elencados pela Constituiç­ão Federal.

São eles: o princípio da moralidade (nomeação para ministro de Estado de um investigad­o por corrupção), da impessoali­dade (nomeação no interesse pessoal do amigo, e não no interesse público), da eficiência (nomeação exclusivam­ente para blindá-lo, não em virtude dos atributos para o exercício do cargo) e da legalidade (desvio de finalidade na nomeação).

O juiz Moro, por sua vez, atendeu ao princípio da publicidad­e ao retirar o sigilo da gravação, já que o interesse público justifica a divulgação da conversa.

A nomeação de Lula ao cargo de ministro, portanto, com evidente desvio de finalidade, conduz a uma questão da mais alta relevância: não constitui, ela própria, ato de improbidad­e administra­tiva capaz de motivar o impeachmen­t de Dilma?

Gravação torna evidente que o intuito da nomeação foi proteger Lula. Como tal, não é ato capaz de motivar o impeachmen­t de Dilma?

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Daniel Bueno

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