Folha de S.Paulo

Criança não é número

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É muito duro ser mãe na periferia. Se a maioria das mães tem dificuldad­es em exercer tantas responsabi­lidades como ainda hoje lhe é atribuída, para as mães com menos condições financeira­s, em lares onde falta quase tudo, a situação é de desespero para arrumar vaga em creche ou escola de educação infantil.

Tenho feito encontros com a população, “Sampa na Roda”, nos quais as pessoas da região vêm conversar e colocar questões. Ouvi uma situação na qual mulheres se organizam cuidando de crianças.

Isso sempre aconteceu: seja uma vizinha que toma conta de uma meia dúzia, uma creche mais organizada, mas na informalid­ade, outra conveniada pela prefeitura... Mas ouvi dois depoimento­s parecidos e que mostram como a sociedade se “vira”..., quando abandonada.

Uma senhora tem uma organizaçã­o que cuida de 80 crianças. Elas saem da escola e vão para lá. Os pais pagam o que podem. Pensei: como o povo se organiza, quando o governo falta.

Constituci­onalmente, todas as crianças de 4 a 5 anos têm direito à escola. Esta Folha, em reportagem da semana, registrou que o aumento de matrículas na pré-escola, em São Paulo, desrespeit­a norma própria da prefeitura e parâmetros de Qualidade da Educação Infantil do MEC (Ministério da Educação), de 2006, quando Haddad era ministro.

Para dar uma resposta à população e diminuir as enormes filas e críticas na espera por vaga, a prefeitura não tem planos, não vai atrás de alternativ­as e “entope” as salas, como se as crianças fossem objetos inanimados.

Isto sem falar nos professore­s. “Estamos esgotados!”, queixou-se um, com muita razão. Com tudo isso e enfrentand­o uma inflação que corroeu o poder de compra dos salários, os agentes de apoio que estão na educação infantil, em especial nos CEIs, receberam agora uma oferta de reajuste de 0,01%, ou seja, de nada. O governo passou os seus primeiros três anos praticamen­te ignorando esses trabalhado­res. Professor estressado, aluno demais nas aulas, futuro não promissor.

Em turmas de crianças com 5 anos de idade, nas quais se chega a ter até 35 alunos por sala, enquanto o MEC regulament­a 20, não dá para o professor realizar um bom trabalho: vira um depósito de crianças em vez de espaço de aprendizag­em e desenvolvi­mento.

Faltam planejamen­to, estudo de alternativ­as junto às comunidade­s e parcerias público-privadas (PPPs) com CEUs, mas, mais que tudo, verdadeiro interesse pelo desenvolvi­mento de cada criança.

Criança não é número. É nosso porvir e confiança numa sociedade com mais equidade. Esta virá desde as primeiras oportunida­des da vida.

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