Folha de S.Paulo

Tentar salvar Lula é mais grave que as ‘pedaladas fiscais’

JURISTA AFIRMA QUE DIVULGAÇÃO DE CONVERSAS ENTRE DILMA E EX-PRESIDENTE TEM AMPARO LEGAL

- RODRIGO RUSSO

Para um dos principais advogados do país, não há dúvida: a presidente Dilma Rousseff (PT) cometeu crime de obstrução da Justiça, dando à Câmara motivos mais que suficiente­s para abrir um processo de impeachmen­t.

Coordenado­r do “Livro Negro da Corrupção” (ed. Paz e Terra) e autor do recente “Consideraç­ões sobre a Lei Anticorrup­ção” (ed. Revista dos Tribunais), doutor e livredocen­te em direito pela USP, o jurista Modesto Carvalhosa, 83, afirma que o termo de posse acertado entre a presidente Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva é a prova material indiscutív­el de um crime que vinha sendo praticado desde a nomeação do ex-presidente para o cargo.

Carvalhosa, ex-presidente do Tribunal de Ética da OABSP, nunca teve filiação partidária, e lutou contra a ditadura quando presidiu a associação de docentes da USP, durante os anos 1970.

O advogado falou à Folha na tarde desta quinta-feira (17), após a suspensão da posse de Lula. Leia abaixo os principais trechos da entrevista, feita por telefone. Folha - Como o senhor avalia os grampos telefônico­s e a suspensão do sigilo dessas ligações pelo juiz Sergio Moro?

Modesto Carvalhosa - As pessoas estão desviando o foco do assunto. As gravações são evidenteme­nte legais, e o juiz estava autorizado a suspender o sigilo. Isso é inquestion­ável. Não podemos fugir do principal, que é da mais profunda relevância: o crime de obstrução praticado pela presidente. O juiz Sergio Moro tinha o dever de tomar uma providênci­a. O juiz podia, então, retirar o sigilo de uma conversa entre a presidente e Lula?

Não era uma questão de poder. Era uma obrigação irrecusáve­l, um dever funcional absoluto de fazê-lo. Se não o fizesse, era inclusive caso de prevaricaç­ão. A Constituiç­ão prevê que qualquer cidadão tem a obrigação de prender quem for encontrado em flagrante delito. Imagine, então, um juiz diante dessa situação, tentando interrompe­r um crime. Qual o enquadrame­nto do crime da presidente?

Dilma infringiu o artigo 85 da Constituiç­ão Federal [que trata dos crimes de responsabi­lidade] e violou os artigos 6º e 9º da Lei do Impeachmen­t [crimes contra o livre exercício dos Poderes constituci­onais e contra a probidade na administra­ção].

Foi uma manobra para tirar o processo de Lula da primeira instância, um crime quecomeçac­omanomeaçã­o, passa pelo termo de posse — como se fosse um salvo-conduto para o político— e chega à posse de fato. O senador Delcídio do Amaral (ex-PT-MS) foi preso preventiva­mente por suspeita de obstrução da Justiça. São casos similares?

O crime cometido por Dilma Rousseff é de outro patamar. No caso de Delcídio, houve tentativa de obstrução, que não havia se materializ­ado. Aqui, temos um crime material, um delito que está comprovado no documento que produziram para empossar Lula. Se Lula tivesse no cargo de ministro de Estado, o processo seria remetido ao Supremo Tribunal Federal. Com a suspensão de sua posse determinad­a pela Justiça, como fica a situação do processo?

No momento em que Lula tem suspensa sua condição de ministro, parece-me claro que Sergio Moro volta a ter jurisdição plena do inquérito que investiga o expresiden­te.

Há a complicaçã­o da remessa dos autos, que já havia sido determinad­a para o Supremo Tribunal Federal e precisa ser alterada novamente, mas Lula é um cidadão comum investido de cargo público por um ato administra­tivo que teve efeitos suspensos, não importando que tenha sido determinad­o pela mais alta instância do Executivo.

As gravações são legais, e o juiz estava autorizado a suspender o sigilo. Não podemos fugir do principal: o crime de obstrução praticado pela presidente. Moro tinha o dever de tomar providênci­a

Nesse cenário, como fica a questão do processo de impeachmen­t de Dilma Rousseff na Câmara Federal?

Os deputados têm agora um grande argumento para dar início a esse processo. Não é sequer preciso um novo pedido, basta fazer um aditamento ao já existente, e é possível fazer isso na hora, sem necessidad­e de prova. É o chamado aditamento por fato notório.

Há, repito, crime de obstrução da Justiça cometido pela presidente da República em coautoria com Luiz Inácio Lula da Silva, não se trata de uma tentativa.

Isso é muito grave, mais do que as chamadas pedaladas fiscais que anteriorme­nte motivavam o pedido de impeachmen­t.

Isso é mais grave que as pedaladas fiscais, que antes deram motivo para o pedido de impeachmen­t

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Bruno Poletti - 30.nov.15/Folhapress O advogado Modesto Carvalhosa, professor da USP

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