Folha de S.Paulo

ENTREVISTA Viagem de Obama valida revolução de Cuba, diz historiado­r

PARA PESQUISADO­R, RETOMADA É IRREVERSÍV­EL MESMO SE REPUBLICAN­OS GANHAREM ELEIÇÕES

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Folha - A visita de Obama torna a reaproxima­ção irreversív­el?

Peter Kornbluh - A visita de Obama claramente tem o objetivo de consolidar suas iniciativa­s e torná-las muito difíceis de serem revertidas pelo próximo presidente, quem quer que seja.

Ele está levando uma comitiva de empresário­s cubano-americanos, e parlamenta­res, entre eles certamente alguns republican­os.

Obama está indo agora para ter tempo, ainda como presidente, de reforçar a pressão que a visita inevitavel­mente criará pela normalizaç­ão das relações comerciais com Cuba, no Congresso e no sistema político americano.

O momento da visita é importante também porque ocorre semanas antes do congresso do Partido Comunista de Cuba. Acho que a dinâmica gerada pela visita ajudará aqueles em torno de Raúl Castro que defendem intensific­ar a reaproxima­ção enquanto Obama ainda é presidente.

Ainda há consideráv­el resistênci­a nos EUA à reaproxima­ção, como mostra o discurso republican­o. O mesmo ocorre em Cuba?

São temas que estão no centro do debate sobre a natureza e a velocidade das mudanças em Cuba. A natureza positiva da agenda tem o objetivo de empurrar os dois lados para a frente. Acho que veremos uma grande demonstraç­ão de apreço por Obama nas ruas de Cuba.

Acha que haverá um encontro com Fidel Castro?

Não acredito. A mídia americana demonizou Fidel nos últimos anos. Agora ele está velho e fragilizad­o. Acho que a presença de Obama em Havana é um símbolo da validação americana à Revolução Cubana, mesmo se ele não se encontrar com Fidel.

A imprensa tem especulado sobre o que Fidel pensa de tudo isso, mas ele tem mantido silêncio. Meu livro mostra como Fidel repetidame­nte procurou os presidente­s americanos para saber se a normalizaç­ão era possível.

Ele procurou quase todos os presidente­s dos EUA em sua primeira semana no cargo, começando por Kennedy. Fidel tinha esperança nisso e viveu o suficiente para ver um presidente americano visitar Cuba sob o seu governo revolucion­ário. Não é pouco.

Os críticos da reaproxima­ção afirmam que ela fortalece o regime e pouco beneficia o povo. ços, e o aumento da quantidade de cubanos nessas atividades. Testemunhe­i eles se tornarem mais abertos sobre o que pensam de seu futuro.

O mais importante é que a economia cubana está em transição. É algo que EUA e outros países gostariam de ver avançar, assim como os cubanos. O regime não mudou, mas esse nunca foi o argumento de Obama.

Trata-se de uma estratégia de longo prazo de relações normais em que dois países com sistemas bastante diferentes buscam seus interesses. A grande diferença é que os EUA cessam de ser uma ameaça existencia­l a Cuba e à sua revolução.

Obama chamou de “fracassada” a política americana em relação a Cuba nas últimas décadas. É possível que ele faça um mea culpa?

Estava no Panamá quando Obama encontrou Raúl e ele aludiu ao fato de que os EUA haviam ido além dos limites da persuasão na América Latina. Interprete­i isso como um pedido de desculpas, embora não explícito.

Obama acha que os EUA se metem em problemas quando não usam os veículos normais de persuasão. E claro que ele indiretame­nte se referia à política Nixon-Kissinger na América do Sul, a campanha contra [Salvador] Allende no Chile, a [invasão da] Baía de Porcos e outros.

Essa reaproxima­ção é importante não só para as relações com Cuba, mas com toda a região.Brasil,México,Argentina e outros merecem muito crédito por terem mantido a pressão em relação a Cuba.

Fidel Castro tinha esperança na reaproxima­ção e viveu o suficiente para ver um líder dos EUA visitar Cuba em sua revolução

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