CRISE NO MUNICIPAL Ex-diretor cita Neschling e secretário em delação
Herencia aumenta incerteza no teatro ao envolver maestro e auxiliar de Haddad
Investigado por lavagem de dinheiro e superfaturamento, o agora delator precisa homologar depoimento
FOLHA
O maestro John Neschling, diretor artístico do Theatro Municipal de São Paulo, e o secretário de comunicação do prefeito Fernando Haddad (PT), Nunzio Briguglio Filho, são citados na delação premiada feita pelo ex-diretorgeral do espaço cultural, José Luiz Herencia.
Mantida em segredo pelo Ministério Público Estadual de SP desde o início de março, a delação de Herencia foi divulgada em parte nesta quinta (17) pelo jornal “O Estado de S.Paulo”, abrindo novo capítulo no escândalo do rombo de até R$ 20 milhões nas finanças do Municipal.
Diretor-geral da casa até demitir-se em novembro, Herencia é investigado por lavagem de dinheiro e superfaturamento de óperas. Peça central na investigação conduzida pela procuradoria estadual e pela Controladoria Geral do Município, sua delação —que ainda não foi homologada pela Justiça— já rende dor de cabeça a políticos, produtores e artistas.
A delação foi confirmada à Folha pelo Ministério Público, mas seu inteiro teor será mantido em segredo até a homologação, sem data certa.
Segundo a delação de Herencia, Neschling pode ter se beneficiado pela seleção de agentes responsáveis por contratações fora do país; Briguglio, um dos auxiliares mais próximos de Haddad, foi citado por ter se empenhado em defesa da realização de “Alma Brasileira”, peça multimídia do grupo catalão La Fura dels Baus.
A suspeita sobre a irregularidade teria surgido porque parcelas foram pagas aos agentes que representam o grupo, mas o espetáculo não será realizado —segundo a Fundação Theatro Municipal, por falta de recursos.
Financiada com participação do Ministério da Cultura, a peça teria participação da Orquestra Sinfônica de São Paulo e estaria orçada em 1 milhão de euros, gasto que foi autorizado por Neschling. A assessoria do teatro não soube responder se os valores serão devolvidos. LAVAGEM DE DINHEIRO Conforme a Folha adiantou em fevereiro, a identificação de irregularidades pela procuradoria comprometeu a gestão do IBGR (Instituto Brasileiro de Gestão Cultural), organização social responsável por parte das contas do teatro.
O Ministério Público informou que viu indícios de “contratos superfaturados, de esquemas para lavagem de dinheiro, de enriquecimento ilícito e de desvio de finalidade nos contratos”.
A operação também teve como alvo a casa do diretor da IBGC, William Nacked, bem como o imóvel onde fica outra organização presidida por ele, o Instituto Brasil Leitor. Nacked também é alvo na delação de Herencia.
Neschling não quis dar entrevista. Briguglio diz que não teve nenhuma participação na decisão de contratar ou realizar o espetáculo. Procurado, William Nacked não quis se manifestar.
Com a abertura das investigações e com a alegação de que a crise econômica afetaria a programação do teatro, a prefeitura nomeou Paulo Dallari para a direção geral da casa, e o IBGC foi afastado da administração. JUCA FERREIRA O Ministério Público informou à Folha que Neschling será chamado a depor. Sobre Nunzio, o promotor Arthur Lemos, responsável pelo caso, diz que ainda não decidiu se levará adiante a investigação.
O ministro Juca Ferreira, que era secretário municipal de cultura quando Herencia e Neschling foram nomeados para os respectivos cargos —e com quem Herencia já trabalhou no Ministério da Cultura—, não foi citado na delação, apurou a reportagem.
Ao Ministério Público, Herencia conta ainda que o maestro pode ter sido beneficiados por acordos com o agente cultural argentino Valentin Proczynski, responsável não só pelo agenciamento do La Fura Dels Baus, mas de outras óperas, como “Lady Macbeth” e “El Amor Brujo”, previstas para este ano.
Proczynski já foi pivô de escândalos financeiros na Itália. Ele não foi localizado pela reportagem.
Após ter sido denunciado, Herencia teve bens bloqueados pela Justiça, entre os quais três terrenos em Ilhabela (SP) e dois apartamentos em São Paulo. Um dos apartamentos está no nome de sua namorada e vale cerca de R$ 4 milhões. A suspeita sobre Herencia foi levantada após documentação apreendida em sua casa revelar movimentação financeira não compatível com seus rendimentos.
Entre janeiro e junho de 2014, ele teria movimentado maisdeR$2,7milhõesemuma conta. Também ficou provado que houve repasses milionários em contas de sua mãe.
Há desdobramentos da crise gerada pelas investigações, tanto no âmbito interno como fora do teatro. Na semana passada, Dallari demitiu Bernardo Guerra, que ocupava o cargo de diretor de produção do Teatro. A assessoria de imprensa da instituição não explicou o motivo do afastamento.
Fora do teatro, o Ministério Público também passou a investigar suposto uso do ProAC (Programa de Ação Cultural), do governo paulista, para desvio de recursos públicos para um bar que tem como sócios Herencia e Luís Sobral, um dos coordenadores da précampanha do vereador Andrea Matarazzo à Prefeitura de São Paulo pelo PSDB.