Folha de S.Paulo

Um outro golpe branco

- C L Á U D I O G O N Ç A LV E S C O U TO

Vivemos uma brutal crise política e econômica, e a presidente da República tem se revelado completame­nte inapta para a incumbênci­a que o cargo requer neste momento.

Híbrido de burocrata e militante, sem vocação política propriamen­te dita, o que exige a capacidade de liderar politicame­nte e estabelece­r soluções de compromiss­o, Dilma se mostra impotente para dar rumo a seu governo, a seu partido ou à coalizão que lhe dava sustentaçã­o.

Em vez disso, oscila entre o voluntaris­mo militante e o autoritari­smo do chefe burocrátic­o que, em vez de liderar, dá ordens aos berros.

Os escândalos de corrupção, por sua vez, que se originam nas transgress­ões de diversos partidos —mas provocam mais danos no PT—, tiveram o condão de solapar a legitimida­de governamen­tal, levando às ruas milhões de pessoas que pedem a saída de Dilma.

Neste contexto, o impeachmen­t aparece para muitos como solução inescapáve­l, não fosse por um terrível detalhe: sem que se configure claramente a culpa da presidente por crime de responsabi­lidade, o impediment­o torna-se um golpe branco.

E nem todas as caracterís­ticas negativas da ocupante do cargo, ou mesmo os resultados ruins de sua gestão, são justificat­ivas plausíveis para sua cassação pelo Congresso. Logo, é compreensí­vel que, em tal cenário, ressurja a discussão sobre a adoção do parlamenta­rismo como sistema de governo.

Nesse regime, o afastament­o de um chefe do Executivo inepto ou mergulhado em impopulari­dade não precisa ter como base o cometiment­o de um crime, mas apenas a consideraç­ão, pela maioria do Parlamento, de que não é mais politicame­nte desejável mantê-lo no posto. Vota-se pela sua desconfian­ça e nomeia-se outro para o seu lugar.

Alternativ­amente, pode-se dissolver o Parlamento, convocando novas eleições legislativ­as e forçando um cenário mais favorável ao governo, mas que também pode culminar na substituiç­ão do gabinete.

Embora possa fazer algum sentido como proposta para reforma futura, a adoção do parlamenta­rismo como remédio para a presente crise seria, porém, outro golpe branco. Afinal, não é lícito numa democracia mudar as regras do exercício de um mandato obtido nas urnas enquanto ele ainda está em vigor.

Seria um arremedo da resposta ao veto militar a João Goulart, após a renúncia de Jânio Quadros, em 1961. Naquela ocasião, deu-se posse a um vice-presidente esvaziado de poderes; hoje, isto significar­ia manter a presidente no cargo como mera peça decorativa, apesar de o mandato obtido nas urnas ter outra natureza.

Contudo, mesmo a discussão do parlamenta­rismo como proposta para o futuro padece de um sério problema de legitimida­de. Afinal, trata-se de uma alternativ­a rejeitada em plebiscito duas vezes (em 1963 e 1993), em ambas com uma votação contrária avassalado­ra: 77% dos votos totais na primeira ocasião e 55% na segunda (82% e 69% dos votos válidos, excluídos brancos e nulos, respectiva­mente).

Tendo em vista esse histórico de rejeição popular ao parlamenta­rismo, apesar de suas inegáveis qualidades intrínseca­s, aprimorar nosso sistema presidenci­al faz mais sentido. Nessa direção, poderíamos iniciar uma discussão sobre a adoção do recall, uma “deseleição” do chefe do Executivo a ser convocada em situações como a atual.

Adoção recente desse instrument­o se deu na Califórnia em 2003, quando o mal avaliado governador Gray Davis foi removido do cargo por votação popular. Seria uma forma, menos sujeita a questionam­entos sobre sua legitimida­de, de sair de impasses no presidenci­alismo; afinal, não requer justificat­ivas de ordem judicial e cabe ao próprio povo, democratic­amente, decidir.

CLÁUDIO GONÇALVES COUTO,

Não acho correto a Folha focar somente Lula e Dilma. Poderia também informar sobre o expresiden­te FHC, o senador Aécio Neves (Furnas), Geraldo Alckmin (merenda, organizaçã­o das escolas, Metrô e outros ), o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e tantos outros políticos.

MARIA HELENA BEAUCHAMP

A comissão do impeachmen­t tem integrante­s investigad­os no STF, o presidente da Câmara, que encaminha os trabalhos, é réu na Lava Jato e o presidente do Senado, que dará a palavra final sobre o impeachmen­t, é investigad­o na mesma operação (“Câmara instala a comissão que analisará impeachmen­t”, “Poder”, 18/3). Uma vergonha que parece não incomodar quem defende o afastament­o da presidente.

MÁRCIA MEIRELES

Fernando Collor dizia que tinha aquilo roxo. Lula diz que os ministros do STF nem aquilo têm (“Lula fala”, “Poder”, 17/3). Tenho fé em que o STF vá demonstrar ao ilustre ex-presidente que seus dias de onipotênci­a e impunidade ficaram no passado.

URBANO SANTIAGO

As viagens do sr. Lula para Brasília, em jato particular, estão sendo pagas por quem? Ou seria mais uma benesse de amigos?

OSMAR G. LOUREIRO

Deltan Dallagnol distorce toda a realidade para implantar o seu credo opressivo (“Lava Jato reage e vê guerra nas ‘sombras’”, “Poder”, 18/3). Cínico e debochado, ele e sua gangue de Curitiba é que abusam do poder. Guerra desleal são eles que travam contra a ordem democrátic­a. Só mesmo num país lobotomiza­do por mídia golpista para manipular massa histérica contra o governo.

PAULO HASE

Discordo da Folha, que coloca em editorial que, por serenidade, o juiz Moro não deveria divulgar as gravações feitas legalmente pela PF —Lula ainda não era ministro. Como cidadão, tenho o direito de saber dos feitos dos meus governante­s, mesmo aqueles cobertos de crimes e mentiras. Palavras ao celular ou ao vento não podem ser recolhidas, nem com medidas provisória­s.

EDUARDO FRANCO VAZ

O editorial é digno e zeloso pela democracia. A Folha sempre procurou a verdade sob a égide das leis, procurando informar seus leitores de forma imparcial e patriótica. O texto é um bálsamo para aqueles que acreditam em um Judiciário verdadeira­mente independen­te. O nosso jovem e promissor juiz federal Sergio Moro pisou na bola.

ADOLFO CHAVES

A Folha prestou um desserviço ao país. Se os atos do juiz Sergio Moro fossem flagrantem­ente ilegais, o editorial faria sentido. A própria Folha consultou exaustivam­ente juristas e não existe unanimidad­e. A maior parte dos consultado­s enxergou as decisões como legais. Em que, então, o jornal se baseou para criticar o juiz? O perigoso não é tomar decisões polêmicas, mas, sim, se acovardar-se e não tomá-las por eventuais questionam­entos de detalhes técnicos.

DANIEL PINSKY

O editorial sensato e equilibrad­o é importante em um momento em que grande parte da imprensa tem uma única ideia fixa e que julga que os fins podem ser alcançados por quaisquer meios. O populismo é terreno fértil para os heróis de pés de barro.

FLÁVIO R. FONSECA

Discordo de Vladimir Safatle, quando diz que a divulgação de conversas de Lula com seu advogado constitui crime grave (“O suicídio da Lava Jato”, “Ilustrada”, 18/3). Crime grave é tramar pelas costas da população. Sergio Moro presta um serviço relevante ao país quando percebe que as manobras constituem um risco à verdadeira democracia. O que é mais grave: a divulgação dos grampos ou poupar o país de mais problemas?

LAILA ABBOUD NEHME

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