Um outro golpe branco
Vivemos uma brutal crise política e econômica, e a presidente da República tem se revelado completamente inapta para a incumbência que o cargo requer neste momento.
Híbrido de burocrata e militante, sem vocação política propriamente dita, o que exige a capacidade de liderar politicamente e estabelecer soluções de compromisso, Dilma se mostra impotente para dar rumo a seu governo, a seu partido ou à coalizão que lhe dava sustentação.
Em vez disso, oscila entre o voluntarismo militante e o autoritarismo do chefe burocrático que, em vez de liderar, dá ordens aos berros.
Os escândalos de corrupção, por sua vez, que se originam nas transgressões de diversos partidos —mas provocam mais danos no PT—, tiveram o condão de solapar a legitimidade governamental, levando às ruas milhões de pessoas que pedem a saída de Dilma.
Neste contexto, o impeachment aparece para muitos como solução inescapável, não fosse por um terrível detalhe: sem que se configure claramente a culpa da presidente por crime de responsabilidade, o impedimento torna-se um golpe branco.
E nem todas as características negativas da ocupante do cargo, ou mesmo os resultados ruins de sua gestão, são justificativas plausíveis para sua cassação pelo Congresso. Logo, é compreensível que, em tal cenário, ressurja a discussão sobre a adoção do parlamentarismo como sistema de governo.
Nesse regime, o afastamento de um chefe do Executivo inepto ou mergulhado em impopularidade não precisa ter como base o cometimento de um crime, mas apenas a consideração, pela maioria do Parlamento, de que não é mais politicamente desejável mantê-lo no posto. Vota-se pela sua desconfiança e nomeia-se outro para o seu lugar.
Alternativamente, pode-se dissolver o Parlamento, convocando novas eleições legislativas e forçando um cenário mais favorável ao governo, mas que também pode culminar na substituição do gabinete.
Embora possa fazer algum sentido como proposta para reforma futura, a adoção do parlamentarismo como remédio para a presente crise seria, porém, outro golpe branco. Afinal, não é lícito numa democracia mudar as regras do exercício de um mandato obtido nas urnas enquanto ele ainda está em vigor.
Seria um arremedo da resposta ao veto militar a João Goulart, após a renúncia de Jânio Quadros, em 1961. Naquela ocasião, deu-se posse a um vice-presidente esvaziado de poderes; hoje, isto significaria manter a presidente no cargo como mera peça decorativa, apesar de o mandato obtido nas urnas ter outra natureza.
Contudo, mesmo a discussão do parlamentarismo como proposta para o futuro padece de um sério problema de legitimidade. Afinal, trata-se de uma alternativa rejeitada em plebiscito duas vezes (em 1963 e 1993), em ambas com uma votação contrária avassaladora: 77% dos votos totais na primeira ocasião e 55% na segunda (82% e 69% dos votos válidos, excluídos brancos e nulos, respectivamente).
Tendo em vista esse histórico de rejeição popular ao parlamentarismo, apesar de suas inegáveis qualidades intrínsecas, aprimorar nosso sistema presidencial faz mais sentido. Nessa direção, poderíamos iniciar uma discussão sobre a adoção do recall, uma “deseleição” do chefe do Executivo a ser convocada em situações como a atual.
Adoção recente desse instrumento se deu na Califórnia em 2003, quando o mal avaliado governador Gray Davis foi removido do cargo por votação popular. Seria uma forma, menos sujeita a questionamentos sobre sua legitimidade, de sair de impasses no presidencialismo; afinal, não requer justificativas de ordem judicial e cabe ao próprio povo, democraticamente, decidir.
CLÁUDIO GONÇALVES COUTO,
Não acho correto a Folha focar somente Lula e Dilma. Poderia também informar sobre o expresidente FHC, o senador Aécio Neves (Furnas), Geraldo Alckmin (merenda, organização das escolas, Metrô e outros ), o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e tantos outros políticos.
MARIA HELENA BEAUCHAMP
A comissão do impeachment tem integrantes investigados no STF, o presidente da Câmara, que encaminha os trabalhos, é réu na Lava Jato e o presidente do Senado, que dará a palavra final sobre o impeachment, é investigado na mesma operação (“Câmara instala a comissão que analisará impeachment”, “Poder”, 18/3). Uma vergonha que parece não incomodar quem defende o afastamento da presidente.
MÁRCIA MEIRELES
Fernando Collor dizia que tinha aquilo roxo. Lula diz que os ministros do STF nem aquilo têm (“Lula fala”, “Poder”, 17/3). Tenho fé em que o STF vá demonstrar ao ilustre ex-presidente que seus dias de onipotência e impunidade ficaram no passado.
URBANO SANTIAGO
As viagens do sr. Lula para Brasília, em jato particular, estão sendo pagas por quem? Ou seria mais uma benesse de amigos?
OSMAR G. LOUREIRO
Deltan Dallagnol distorce toda a realidade para implantar o seu credo opressivo (“Lava Jato reage e vê guerra nas ‘sombras’”, “Poder”, 18/3). Cínico e debochado, ele e sua gangue de Curitiba é que abusam do poder. Guerra desleal são eles que travam contra a ordem democrática. Só mesmo num país lobotomizado por mídia golpista para manipular massa histérica contra o governo.
PAULO HASE
Discordo da Folha, que coloca em editorial que, por serenidade, o juiz Moro não deveria divulgar as gravações feitas legalmente pela PF —Lula ainda não era ministro. Como cidadão, tenho o direito de saber dos feitos dos meus governantes, mesmo aqueles cobertos de crimes e mentiras. Palavras ao celular ou ao vento não podem ser recolhidas, nem com medidas provisórias.
EDUARDO FRANCO VAZ
O editorial é digno e zeloso pela democracia. A Folha sempre procurou a verdade sob a égide das leis, procurando informar seus leitores de forma imparcial e patriótica. O texto é um bálsamo para aqueles que acreditam em um Judiciário verdadeiramente independente. O nosso jovem e promissor juiz federal Sergio Moro pisou na bola.
ADOLFO CHAVES
A Folha prestou um desserviço ao país. Se os atos do juiz Sergio Moro fossem flagrantemente ilegais, o editorial faria sentido. A própria Folha consultou exaustivamente juristas e não existe unanimidade. A maior parte dos consultados enxergou as decisões como legais. Em que, então, o jornal se baseou para criticar o juiz? O perigoso não é tomar decisões polêmicas, mas, sim, se acovardar-se e não tomá-las por eventuais questionamentos de detalhes técnicos.
DANIEL PINSKY
O editorial sensato e equilibrado é importante em um momento em que grande parte da imprensa tem uma única ideia fixa e que julga que os fins podem ser alcançados por quaisquer meios. O populismo é terreno fértil para os heróis de pés de barro.
FLÁVIO R. FONSECA
Discordo de Vladimir Safatle, quando diz que a divulgação de conversas de Lula com seu advogado constitui crime grave (“O suicídio da Lava Jato”, “Ilustrada”, 18/3). Crime grave é tramar pelas costas da população. Sergio Moro presta um serviço relevante ao país quando percebe que as manobras constituem um risco à verdadeira democracia. O que é mais grave: a divulgação dos grampos ou poupar o país de mais problemas?
LAILA ABBOUD NEHME