Folha de S.Paulo

DESTRUÍDOS PELA CHUVA

Uma semana depois do temporal que matou 25 em SP,

- LEANDRO MACHADO

Iluminando o terreno com um celular, o aposentado Onório Oliveira, 51, desce o barranco. Ali perdeu dois filhos quando a terra desabou na sua casa. Ele aponta para o chão e encontra um par de sandálias sujo de lama seca. “É da Sandrinha, é da minha filha”, grita, sorrindo.

Ao ver as sandálias, a mulher de Onório, a costureira Auderi Paulino, 51, começa a chorar. “Minha filhinha, tão trabalhade­ira”, diz, abraçando uma das duas camisetas que confeccion­ou com imagens dos filhos mortos.

Jorge, 18, e Sandra Oliveira, 26, de Francisco Morato, morreram às 23h26 do último dia 10, quando uma forte chuva matou 23 pessoas na Grande SP —e outras duas no interior. Nos últimos dias, a reportagem da Folha conseguiu conversar com parentes e amigos de 14 das vítimas.

Sandra era analista financeira. Jorge havia sido demitido do restaurant­e do McDonald’s em que trabalhava, na Lapa, zona oeste —estava para receber a terceira parcela do seguro-desemprego.

“Eu havia ido beber água na cozinha. Só sobrevivi por isso”, conta Joel Oliveira, 18, irmão gêmeo de Jorge.

Quem apresentou a família à Folha foi o agente funerário Cristiano Avelino, 43, que participou do sepulta- parque Náutico —um morro lotado de casas em barrancos— virou cenário da mesma tragédia: dez pessoas de duas famílias morreram em um deslizamen­to.

O entregador de gás Jefferson Donizeti Freitas, 38, perdeu a mulher, Fabiana Moraes, 28, e as filhas Ana Luiza, 7, e Anna Laura, de 11 meses. “A gente tinha acabado de jantar. Eu disse para minha mulher: ‘Vai indo para o quarto para dormir com as crianças que eu vou ao banheiro’”.

Elas foram e morreram quando o barranco desabou. Jefferson ficou por três horas soterrado, mas sobreviveu. Ficou cheio de hematomas.

Na casa ao lado, morava a família do comerciant­e Cristiano França. Ele perdeu sete parentes: a mulher, três filhos, uma sobrinha, o pai e a mãe. “Você deve imaginar como ele está. Hoje ele é o homem mais triste do mundo”, diz uma vizinha e amiga.

A família de Cristiano tinha se mudado para Mairiporã em dezembro, vinda do Guarujá. Moravam no morro provisoria­mente, enquanto finalizava­m a construção da casa própria. Queriam mudar de vida após fecharem a padaria que tocavam no litoral.

As obras da nova casa tinham acabado e eles iriam se mudar na terça (14), cinco dias depois da tragédia. A chuva veio antes.

BERGAMIM JR.,

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