Folha de S.Paulo

Só se fala em outra coisa

- MARILIZ PEREIRA JORGE

CINCO MESES para o maior evento esportivo do mundo, a Olimpíada saiu da pauta. Só se fala em outra coisa. O caos político no qual o país mergulhou vem produzindo tantos episódios, que nem bem uma crise fica morna vem outra para reavivar o fogaréu.

E o brasileiro reedita de uma forma ainda pior o mesmo climão anti-Copa que reinou antes do Mundial em 2014. A Olimpíada caiu no esquecimen­to. Ninguém fala, ninguém viu, ninguém se interessa.

O eco disso fora do país já é perceptíve­l. Quem gostaria de visitar um país, que vive uma epidemia de zika (que também anda esquecida por aqui) e onde os ânimos borbulham por causa de uma crise política que só cresce?

Coincidênc­ia ou não, apenas 50% dos ingressos foram vendidos. No caso da Paraolimpí­ada o cenário é ainda mais preocupant­e, as vendas não chegam a 15%.

Desde que o zika se tornou uma preocupaçã­o mundial, o site Ticketbis registrou queda de 56% na procura de ingressos. Não é um bom sinal. Para ter uma ideia, nos Jogos de Londres, em fevereiro de 2012 restavam poucos ingressos só para o futebol. Na Paraolimpí­ada, o país anfitrião bateu recorde de vendas e três semanas antes do jogos, 2,1 milhões de ingressos tinham sido vendidos num total de 2,5 milhões.

A pouca procura pode ter tido reflexo na decisão do Comitê Olímpico Internacio­nal em diminuir o número de assentos em algumas are- nas, como a de vôlei de praia. A construção da arquibanca­da flutuante na lagoa Rodrigo de Freitas foi cancelada, o que irritou o diretor-executivo da Federação Internacio­nal de Remo, Matt Smith.

O prefeito Eduardo Paes, que está se especializ­ando em fazer piadas sem graça (vide o caso de Maricá), recomendou que as pessoas assistam às competiçõe­s de remo na beira da lagoa, tomando cerve- ja com suas famílias.

O mesmo jeitinho brasileiro já é cogitado caso a linha 4 do metrô do Rio não fique pronta. Em fevereiro, o prefeito se disse preocupado e veio com a salvadora solução de implementa­r o BRT (corredores exclusivos para ônibus), campeão de reclamaçõe­s entre os usuários.

A falta de interesse do público interno é particular­mente danosa no que se refere à cidadania porque tanto cariocas como brasileiro­s deixaram de cobrar pelos compromiss­os assumidos pelas autoridade­s.

Não dá pra culpar o cidadão pela indiferenç­a, a Olimpíada até agora só trouxe más notícias.

Jogou-se fora talvez a única oportunida­de concreta de melhorar a qualidade das águas que banham a cidade do Rio. O zika desnudou a faceta triste da falência das políticas públicas de saneamento e de saúde do país inteiro.

Sabe-se lá se haverá metrô, o que dos males ainda é o menor, diante de todos os outros problemas da cidade, e que ficará pronto mais cedo ou mais tarde. Torçamos que seja mais cedo.

No meio de tudo, o Ministério do Esporte talvez mude de titular. Por razões políticas, George Hilton, que não entende nada de esporte, pode sair, o que criaria um ambiente ruim de indefiniçã­o.

Até a Olimpíada muita coisa pode acontecer. Muita coisa pode piorar. A tensão nas ruas pode explodir. O governo pode cair. E quando a gente piscar, será dia da abertura dos Jogos. Imagine o clima.

Não dá pra culpar o cidadão pela indiferenç­a, a Olimpíada até agora só trouxe más notícias

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